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Para criminalistas, decisão do STJ sobre canabidiol é convite ao Poder Legislativo

HORA DE REGULAMENTAR

15/09/2023 - 11:56

Danilo Vital do Conjur

Para criminalistas, decisão do STJ sobre canabidiol é convite ao Poder Legislativo

Foto: Reprodução

Ao confirmar a possibilidade da concessão de salvo-conduto para que pessoas plantem maconha com o objetivo de extrair o óleo medicinal necessário para seus tratamentos médicos, o Superior Tribunal de Justiça cria um cenário de maior segurança jurídica, reduz riscos e abre as portas para a necessária edição de leis e regulamentos sobre o tema.

Essa conclusão é dos advogados criminalistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico depois do julgamento da 3ª Seção do STJ, na tarde de quarta-feira (14/9). O colegiado rejeitou a proposta de reavaliar a concessão dos salvo-condutos, feita pelo ministro Messod Azulay.

Empossado no cargo em dezembro do ano passado, depois de ambas as turmas criminais da corte pacificarem a questão, ele levou à 3ª Seção a seguinte reflexão: se é possível adquirir o óleo canabidiol importado de forma lícita e, na pior das hipóteses, obrigar o poder público a custear o medicamento, por que permitir o plantio?

Na quarta-feira, com essa posição já vencida, o ministro chamou a atenção para a ocorrência do que ele chamou de ativismo judicial. Não há lei no Brasil que permita o plantio de maconha para produção medicinal, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a importação de flores e partes da planta.

"O ativismo judicial é causa de verdadeira e grave insegurança jurídica. E, nesse caso, não interfere apenas na seara do Legislativo. Com a afirmação de que se está garantindo o direito à saúde, interfere-se também no Executivo, porque existe Ministério da Saúde e existe a Anvisa", criticou Messod Azulay.

Lacunas preenchidas
Como já mostrou a ConJur, o Poder Judiciário vem paulatinamente preenchendo lacunas legislativas e regulatórias quanto ao uso do canabidiol. Para Rodrigo Mesquita, a posição do STJ é apaziguadora porque oferece maior segurança jurídica a quem precisa do medicamento para viver.

Ele destaca que as pessoas que pedem salvo-conduto certamente prefeririam obter a substância a preços acessíveis e nas composições que seus tratamentos exigem. Em vez disso, precisam se preparar e se qualificar para o plantio da maconha, o que não é simples. Hoje, há cursos de cultivo e extração oferecidos por associações de pacientes.

"Além de tudo isso, ainda passarem pelo risco de serem presas é um transtorno que fica muito evidente quando esses casos chegam a um magistrado. Por isso o Judiciário tem concedido salvo-condutos. A primeira consequência é, de fato, uma maior segurança jurídica para essas pessoas", avalia o advogado.

A consequência secundária é oferecer uma nova percepção do tema à sociedade, o que pode aumentar a circulação de informação e motivar o Poder Executivo a autorizar o plantio, a cultura e a colheita exclusivamente para fins medicinais. Essa hipótese está no artigo 2º, parágrafo único, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), mas nunca foi exercida pela União.

Por esse motivo, Mesquita não vê a atuação do STJ como ativismo judicial. Em vez disso, segundo ele, o tribunal apenas confirmou que a conduta de plantar maconha para fins medicinais não é crime. "O que está tipificado é o cultivo para fins indevidos, que é ao que remetem a legislação e os tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte."

Para Acacio Miranda da Silva Filho, a decisão da corte superior é um reflexo da nítida falta de coragem dos órgãos legislativos para decidir sobre temas polêmicos. Assim, o tribunal acaba suprindo uma omissão dos órgãos competentes. "Melhor seria se o Poder Legislativo estabelecesse as balizas legais nessa hipótese, o que concretamente não aconteceu."

Ativismo, sim, e daí?
Já Thaís Molina Pinheiro enxerga o ativismo judicial sobre o tema, uma vez que há uma participação ativa do Judiciário em prol da concretização de um direito fundamental em face da omissão por parte da União. "Mas não é uma novidade no Brasil, tampouco tem necessariamente a conotação negativa dada pelo ministro Azulay."

Na análise dela, a posição do STJ acaba por evitar que a busca pelo canabidiol passe por processos cíveis buscando a importação do remédio pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que impõe um custo elevado aos cofres públicos.

Matheus Falivene, por sua vez, entende que não se pode falar em ativismo judicial quando o Poder Judiciário afasta a aplicação de uma norma penal incriminadora. Por outro lado, o juiz é ativista quando estabelece critérios e obrigações para esse plantio, questões que caberiam ao Poder Legislativo.

"Ao afastar a tipicidade do crime de tráfico ilícito de entorpecentes nos casos de plantio medicinal de maconha, o STJ traz maior segurança jurídica para a questão e permite, com menos risco, a utilização da maconha para fins medicinais", diz o advogado, acrescentando que o ideal seria que fosse promulgada uma lei tratando da fiscalização nesses casos.

E as sementes?

Um dos pontos que o ministro Messod Azulay entendeu como incontornáveis é de que forma as pessoas beneficiadas por salvo-conduto poderiam cultivar a cannabis, uma vez que não há acesso lícito a sementes. "O Judiciário está autorizando alguém a conseguir sementes da maconha de forma ilícita", disse o magistrado.

Durante o julgamento, o ministro Rogerio Schietti pontuou que o tema não estava em discussão no Habeas Corpus e relembrou que a 3ª Seção do STJ, em 2020, entendeu que não há crime de tráfico ou contrabando na importação de pequena quantidade de sementes de maconha.

Essas sementes não possuem a substância tetraidrocanabinol (THC), princípio ativo com propriedades psicotrópicas e alucinógenas. Logo, não podem ser consideradas insumo para produção de entorpecentes. O precedente foi citado por todos os advogados consultados pela ConJur sobre o tema.

Rodrigo Mesquita acrescenta que a possibilidade de desvios e ilegalidades não é exclusividade daqueles que recebem autorização para plantar maconha com fins medicinais. A maioria das atividades lícitas e reguladas é passível de ilegalidades e nem por isso corre o risco de proibição total, lembrou ele.

"Não é porque esse abuso de direito existe que os direitos legítimos das pessoas deverão ser postergados ou restringidos. O que é ordinário deve ser garantido. E os desvios devem ser combatidos pelos órgãos de fiscalização e persecução penal, seja com a cannabis medicinal, seja com outros medicamentos."

Matheus Falivene destaca que, mais uma vez, caberia à legislação regular o plantio para fins medicinais, estabelecendo maior controle. E o importante, segundo Thaís Molina Pinheiro, é que a fiscalização seja feita sem o risco de que esses pacientes sejam acusados de tráfico de drogas.

Acacio Miranda da Silva Filho, por sua vez, relembra que esse tipo de controle já foi adotado com sucesso em diversos estados nos Estados Unidos e em países como o Uruguai. "Como em todas as situações sociais, a existência de normas traz segurança jurídica para os seus destinatários e para as autoridades fiscalizadoras."

HC 802.866
HC 783.717
 
 

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