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Notícias | Executivo

Goiano é um dos maiores especialistas em resolver sequestro

12/11/2012 - 11:10

Frederico Vitor

 É fato notório que al­guns policiais goianos, militares e civis, são reconhecidos em todo o Brasil. Dentro das corporações, há profissionais do mais alto nível que elevam o nome de Goiás para fora das fronteiras não só do Es­tado, mas do País. Marcos Mar­tins Machado é um exemplo. Há 30 anos como delegado de polícia, é um especialista em solucionar casos de sequestro e gerenciamento de crises envolvendo reféns. Duas vezes diretor-geral da Polícia Civil — de 1999 a 2002, e de 2006 a 2008, além de secretário-executivo de Segurança Pública e Jus­tiça, durante os primeiros meses do governo Marconi Perillo (PSDB) —, também foi responsável pela criação de grupos e delegacias especializados.


Aos 14 anos, Marcos Martins ingressou na Secretaria de Se­gurança Pública como office-boy no serviço de identificação civil. Nascido em Firminópolis e oriundo de uma família de policiais — o pai foi escrivão e delegado de polícia —, aos 19 anos passou no primeiro concurso realizado pela Polícia Civil, em 1972, e foi efetivado como escrivão. Em 1980 formou-se em Direito, e em 1982 foi nomeado delegado de polícia de terceira classe. Considerado um autodidata pelos amigos e colegas de profissão, sempre prezou pela inteligência e perspicácia — é um workaholic — para resolver casos classificados como complexos. Por causa de um incidente, Marcos Martins  decidiu buscar novos conhecimentos fora de Goiás e no exterior. Ele trouxe inovações que deixaram a polícia goiana no mais alto nível.

Em 1989, a revista “Veja” pu­blicou uma reportagem sobre a pujança econômica da Capital com o se­guinte título: “Goiânia — A Dallas brasileira”. Atraída para o que seria uma cidade onde havia muitos ricos, uma quadrilha paranaense especializada em sequestro veio para Goiás e planejou o rapto de uma criança. Tratava-se do menino Said Agel Filho, de 9 anos. Após ser capturado e levado para um cativeiro localizado no Jardim América, região sudeste da cidade, a polícia conseguiu encontrar o paradeiro da criança e cercou a casa. Durante o cerco, foram co­metidos vários equívocos, e ficou latente o despreparo da polícia goiana para lidar com bandidos especializados em sequestro. 

Neste episódio, toda a polícia foi mobilizada para as imediações do cativeiro, e não havia nas forças policiais do Estado, naquela época, um especialista em gerenciamento de crise e negociação. “Aquilo me chamou a atenção e fui me aprofundar no assunto”, diz. Diante do desafio de se especializar em uma área em que havia deficiência nas forças de segurança pública de Goiás, Marcos Martins se inscreveu, em 1990, em um curso na Academia Nacional de Polícia, na Polícia Federal em Brasília. Recebeu aulas de gerenciamento de crises e resolução de crime de extorsão me­diante sequestro, entre outros ensinamentos.

O curso da Polícia Federal foi o primeiro aberto a todas as forças policiais do Brasil e de na­ções amigas. Um dos colegas de Martins chegou a ser chefe da Polícia Nacional do Paraguai. O delegado Marcos Martins foi pioneiro em Goiás a ter a especialização em combater os crimes de sequestro ou gerenciamento de crise. “Extorsão mediante sequestro é um crime contra o patrimônio, a vítima figura como um bem. A crise é um evento crítico que exige do policial uma resposta especialíssima, como um assalto a banco com reféns”, explica.

Especialização no exterior

No caso do sequestro de Said Agel Filho, chegou-se ao absurdo de a polícia negociar a troca do refém por três jornalistas. Durante o cerco, houve troca de tiros, e um policial foi alvejado na perna por uma rajada de fuzil, o que lhe custou a perda do membro por amputação. O delegado considera que o curso na Polícia Federal foi um divisor em sua carreira e que jamais fatos como aquele de 1989 ocorreria novamente em Goiás. Ainda não satisfeito, e determinado a buscar novos conhecimentos na áera, Marcos Martins fez outras especializações, porém, desta vez, no exterior. O primeiro foi em 1995, no Federal Bureau of In­vestigation (FBI), a famosa polícia federal americana — que também é o órgão do­méstico de serviço de In­teligência. O curso, que foi ministrado em uma das academias, localizada no Estado da Flórida,  te­ve ênfase em negociação e ge­ren­cia­men­to de crise.

Dois anos depois, em 1997, o delegado fez outro curso, desta vez na Europa. No Ins­tituto Criminali Supe­riori de Italia — academia que congrega as principais forças policiais italianas: Carabineiros, Polícia do Estado, Guarda de Finanças, Corpo Florestal do Estado e Corpo da Polícia Penitenciária —, Marcos Martins estudou vários métodos de combate ao crime organizado no mundo, e suas especificidades continentais.

O delegado goiano teve a oportunidade de conhecer a fundo como o crime organizado se movimenta e age em cada continente, aprendendo os modus operandi das organizações criminosas, nas diversas regiões do planeta. “Na Itália ocorriam muitos sequestros, inclusive de autoridades. Lá é o berço do sequestro brasileiro, a inspiração das quadrilhas daqui advém das máfias italianas.”

No ano de 2000, depois de ter solucionados casos de extrema complexidade, como o sequestro do compositor Wellington Ca­margo, irmão dos sertanejos Zezé di Camargo e Luciano, Mar­cos Martins fez outro curso, agora em Israel. Com os israelenses, ele conheceu diversas tecnologias de Inteligência, informação e contrainformação. O delegado revela que teve contato com o Mossad, o serviço secreto do governo de Israel. Ele conta que recebeu instruções dos agentes secretos apenas na área de Inteligência.

Em Israel, Marcos Martins também aproveitou a oportunidade de fazer  curso prático de tiro e conhecimento de técnicas antiterror. Esse know-how adquirido no exterior o cacifou para criar vários grupos na polícia goiana, como o Grupo Antissequestro (GAS) e o Grupo Tático 3 (GT3), este último, a unidade de elite da Polícia Civil de Goiás. Criado em 1999, deu-se pela unificação dos três grupos operacionais existentes — Grupo Antiassalto a Banco (GAB), o GAS, e na época o re­cém-criado Grupo Tático, daí a denominação de Grupo Tático 3, ou GT3. “Durante a fundação do GT3, trouxemos policiais alemães, e eles nos transferiram todo o co­nhecimento. Além da polícia de elite da Alemanha, nossos policiais também se aperfeiçoaram na Swat americana, inclusive com curso de pilotagem de helicóptero.”

Sequestros 

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Além de ser o criador de grupos e delegacias especiais na Polícia Civil goiana, Marcos Mar­tins ga­nhou notoriedade e fama nacional por ter solucionado se­questros de grande repercussão. De acordo com o delegado, todos os casos de sequestro praticado dentro do território goiano foram consumados por criminosos originários de outros Estados. “Toda a inteligência e a logística eram ‘im­portadas’. Às vezes, o que ocorria era cooptação de alguém daqui. Não tivemos em Goiás um mentor ou um profissional que chegasse a efetivar a ação que culminasse no sequestro de alguém.”

O primeiro grande caso de sequestro em que Marcos Martins atuou (pouco) foi o já citado caso de Said Agel Filho, em 1989. Um ano depois, houve o sequestro do empresário Odilon Santos, proprietário da empresa de ônibus Viação Araguarina, e pai do em­presário Odilon (Odilonzinho) Walter Santos, dono da Trans­brasiliana. A vítima estava com a neta na porta do edifício onde morava, na Rua 7, no Centro de Go­iânia, quando os sequestradores o surpreenderam e o levaram para um cativeiro na Vila Finsocial, na região Norte na capital.

No total foram 11 sequestradores, todos vindos de fora de Goiás. Odilon Santos foi libertado após negociação que culminou no pagamento do resgate. Parte da quadrilha — inclusive um ad­vogado — foi presa no Estado de São Paulo. “Eram bandidos da pesada, e para o nosso bem ficaram presos em São Paulo, pois, se viessem para cá, certamente haveria o risco de criarem uma facção criminosa nos moldes do que hoje é o PCC [Primeiro Comando da Capital]”. Em 1993, outro caso mobilizou a polícia, e mais uma vez tratava-se de uma integrante da família de Odilonzinho Santos, nesse caso uma filha do empresário, Viviane Santos.

Os sequestradores, oriundos do Paraná, escolheram a vítima ao notá-la em uma coluna social de um jornal de circulação diária em Goiânia. Durante um ano, a quadrilha vinha esporadicamente à cidade, e numa banca da Praça Tamandaré se informava do que ocorria na capital por meio de jornais, inclusive para selecionar a vítima. No prazo de nove meses, o bando planejou e executou o sequestro. Depois de longa investigação e negociação, Viviane Santos foi libertada e os criminosos foram presos na cidade de Londrina, no Paraná. O que chamou atenção neste caso é que dois dos sequestradores eram policiais, um militar e outro civil, ambos das respectivas corporações paranaenses. 

Em 1997 houve o sequestro do adolescente Murillo Peixoto, único caso em que o cativeiro foi estourado e um dos sequestradores foi baleado durante a ação. “O criminoso foi morto com um único tiro, provado em juízo e com laudo”, ressalta Martins. Em 1998 ocorreram dois grandes sequestros. O primeiro foi o de Abadio Pereira Cardoso, o Badico, dono da em­presa de ônibus Expresso São Luiz. O?segundo o do compositor Wellington Camargo, irmão de Zezé di Camargo e Luciano. Badico foi raptado quando fazia caminhada na porta de sua residência, em frente ao Bosque dos Bu­ritis. Os sequestradores eram de São Paulo.

Seu Badico ficou trancado durante cinco dias no banheiro de uma casa na Vila União, em Aná­polis, acorrentado ao vaso sanitário e alimentando-se apenas de frutas. Na época, investigado pelo então delegado-chefe do GAS, o próprio Marcos Martins, o sequestro chegou ao fim com a prisão dos quatro sequestradores, entre eles o ex-policial militar paulista Admilton de Carvalho Henrique, conhecido pela alcunha de Zorro. O ex-militar, que inclusive foi integrante da Rota — a tropa de elite da PM paulista —, era procurado na época em sete Estados pelos crimes de sequestro e assalto a bancos. O resgate exigido pela quadrilha não chegou a ser pago.

Caso Wellington Camargo

O último grande sequestro em Goiás que mobilizou toda a polícia, imprensa, autoridades e a atenção de todo o Brasil, foi o do compositor Wellington José de Ca­margo, que passou 94 dias enclausarado em um quarto de 10 metros quadrados. No dia 6 de dezembro de 1998, a vítima, que é cadeirante, foi sequestrada às 22h40, em sua casa em Goiânia, por quatro homens armados. Após quase duas semanas os sequestradores fizeram o primeiro contato com a família e pediram de resgate a quantia de US$ 5 milhões. “Esse foi o caso mais complexo de trabalhar. A logística da quadrilha era extraordinária. Nesse casos estavam os bandidos mais profissionais e perigosos.”

A quadrilha era formada pelos irmãos Oliveira, bandidos paranaenses extremamente periculosos, portadores de um currículo repleto de homicídios, assaltos a banco, tráfico de drogas e sequestros, além de mais de um século de penas a cumprir. O crime foi idealizado por José Francisco de Oliveira, um fugitivo da Penitenciária de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.  Ele veio para Goiânia um ano e meio antes da ação criminosa, e alugou uma chácara em A­badia de Goiás para fugir da polícia, além  de aproveitar o terreno para construir o barraco que serviu de cativeiro para Wellington.

No dia 7 de janeiro de 1999, nos primeiros dias da gestão do Tempo Novo de Marconi Perillo no Palácio das Esmeraldas, o refém enviou uma carta à família. Duas semanas depois os sequestradores reduziram o valor do resgate para US$ 3 milhões. Neste período, até o apresentador Car­los Massa, o Ratinho, criou em seu programa televisivo um telefone 0900 para levantar dinheiro para o resgate de Wellington. O secretário de Se­gurança Pública da época, De­móstenes Torres, chegou a dizer que a atitude atrapalharia as negociações. Os se­questradores aceitaram a quantia de US$ 300 mil pelo resgate. 

No dia 13 de março de 1999, os criminosos enviaram à TV Serra Dourada um pedaço de orelha e um bilhete, supostamente escrito por Wellington, implorando pela agilidade nas negociações. Exames comprovaram que a cartilagem era mesmo do sequestrado. “Nesse período, era  secretário-executivo de Segurança Pú­blica, e o governador Marconi  pediu para eu reassumir as negociações, pois aquilo estava trazendo desgaste ao Estado”, lembra Martins. No dia 17 de março, um pacote com jornais com reportagens sobre o sequestro e um bi­lhete foi deixado pelos bandidos em frente ao clube recreativo da Telegoiás, a 700 metros da sede do Grupo Antissequestro da Po­lícia Civil de Goiás.

Até que no dia 20 de março a família paga o resgate de US$ 300 mil, e Wellington é deixado numa área da Fazenda Roda D’água, nas proximidades de Guapó, na Ro­dovia BR-060, que liga Goiás a Mato Grosso. O compositor foi dopado 24 horas antes, colocado numa vala com apenas um lençol, um colchonete e um travesseiro. Por ser deficiente, Wellington teve que rastejar por mais de 100 metros, num matagal, para localizar uma pe­quena estrada que dá acesso à rodovia. Naquele local a vítima foi encontrada por dois motoqueiros que o reconheceram.

Para chegar ao bando dos Oliveira, a Polícia Civil teve acesso a sofisticados aparelhos da Polícia Federal que foram cedidos pelo FBI. No final, toda a quadrilha foi presa. Houve uma série de prisões em Goiânia, Campinas e Campo Grande. Ao todo foram mais de 20 pessoas detidas por envolvimento direto ou indireto no crime.

Na avaliação de Marcos Mar­tins, os  bandos especializados em sequestros desistiram de a­tuar em Goiás por conta do histórico de 100% dos casos serem resolvidos em favor da polícia. “Esses resultados fizeram com que essas quadrilhas desanimassem em agir por aqui. Todas que aqui sequestraram, foram, no bom sentido, dizimadas.”

O delegado ressalta que o Grupo Antissequestro de Goiás ficou tão conhecido que ele recebeu, e recebe até hoje, convites para auxiliar casos em outras unidades da federação. “Tive a honra e o orgulho de sair daqui e ajudar a gerenciar sequestros em outros Estados. Fui para São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Amapá e no Distrito Federal, onde gerenciei os trabalhos no caso do sequestro do filho do empresário Luiz Estevão.” O êxito neste caso foi tão importante que o delegado goiano ajudou a criar o Grupo de Repressão a Sequestro (GRS) da Polícia Civil do Distrito Federal. “Formei também o Grupo Garra da Polícia Civil de Piauí, além de fazer estágios na Deic de São Paulo e na Antissequestro do Rio de Janeiro.”

Marcos Martins, suplente  de deputado estadual pelo PSDB, deverá assumir cadeira na As­sembleia Legislativa em janeiro do ano que vem. Ele promete que uma de suas tarefas será a valorização da categoria dos policiais civis, além de tentar levantar recursos para a nova sede do GT3, que poderá ser construída no complexo da Polícia Civil na Cidade Jar­dim, ao lado do ginásio dos policiais civis. 

 

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