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Não há problema no indulto, mas no sistema prisional

09/01/2018 - 21:21 | Atualizada em 09/01/2018 - 21:27

Cecilia Mello

* Este texto é uma versão reduzida do artigo O indulto, o Brasil, a política e o judiciárioClique aqui para ler a íntegra.

O recente decreto de indulto natalino suscitou intenso e apaixonado debate não exatamente pelo seu conteúdo, mas pelos desafios e frustrações que desperta em cada um de nós a política governamental de combate ao crime, ou a falta dela.

Somos o país da impunidade, que a sociedade aparentemente repudia, mas também já somos o terceiro país em número de indivíduos encarcerados, um pais em que 40% da lotação dos presídios é de presos provisórios, isto é, que ainda não foram julgados e portanto não se sabe se deveriam estar ou continuar lá. E, todos, culpados e inocentes, uma vez presos saem da esfera de jurisdição do Estado e passam a se subordinar à jurisdição das organizações criminosas que comandam os presídios. Doença, miséria, vida sub humana e mais crime. Nesse quadro, o indulto é o falso problema e a falsa solução.

Historicamente, o indulto é a “indulgência do príncipe” que tinha por objetivo amenizar a severidade da Justiça, em casos e situações específicas. Invocavam-se razões humanitárias. Hoje, tecnicamente, o indulto é previsão constitucional que confere poderes discricionários ao Presidente da República. Teoricamente, poderes sem limites. Ou com os limites de princípios constitucionais como a razoabilidade e proporcionalidade. Mas, visto o quadro atual do nosso sistema prisional, dizer o que é razoável e o que é proporcional é tarefa acima da força das paixões. Politicamente, o indulto é visto como sinalização de tendências do governo, supostamente pró ou contra a impunidade.

Visto com objetividade, o indulto não pode se aplicar, e o Decreto em debate não pretendeu aplicá-lo, a crimes hediondos, terrorismo, tráfico de entorpecentes e tortura. O Decreto de Indulto Natalino de 2017, em linhas básicas repete os decretos de indulto natalino dos últimos dezoito anos. Com duas diferenças básicas.

A primeira diferença é que aumenta a liberalidade em relação ao tempo mínimo de cumprimento da pena que qualifica o prisioneiro para o indulto. Os decretos de indulto natalino editados anualmente a partir de 1999, fixaram as frações mínimas de cumprimento da pena para a concessão de indulto em 1/3 da pena de 1999 à 2015, em 1/4 da pena em 2016 em 1/5 da pena em 2017.

Não nos esqueçamos de que a Lei de Execução Penal, que é de 1984, permite a progressão do regime de pena a partir do cumprimento de 1/6 dela, exceção para aqueles crimes que pela alta gravidade não comportam indulto e que lei própria estabelece fração mais rigorosa de progressão. Embora se deva ressalvar que progressão de pena é diferente de extinção da pena, o fato é que o país não conta com estrutura para várias etapas da progressão. O que equivale, em muitos casos de progressão, à efetiva extinção da pena ou a sua irregular manutenção em estabelecimento prisional inadequado.

A segunda diferença relevante é que os decretos anteriores estabeleceram um limite máximo de pena, acima do qual o condenado já não estaria qualificado para o indulto. No decreto atual, verificados os demais requisitos, aplica-se o indulto, qualquer que seja a pena máxima. Aqui, se torna muito difícil sustentar de forma isenta o inconveniente ou a adequação dessa aparente liberalidade porque o nosso sistema permite que reiteradas infrações com pena mínima, teoricamente sem grande ofensividade, se somem como pena máxima elevada, superior muitas vezes à pena prevista para crimes de maior gravidade.

O Decreto, como os anteriores, exclui os crimes praticados com violência contra a pessoa. Mas, o Ministério Público pretendeu que excluísse também, o que seria novidade, determinados crimes de corrupção, no que não foi atendido pelo Decreto.

A judicialização do indulto natalino de 2017 tem um grave inconveniente, que é o de suspender o indulto de muitos, quando apenas os fundamentos de indulto de alguns estão sendo efetivamente questionados. Outro inconveniente é o de que já há reconhecimento reiterado no próprio Supremo Tribunal Federal no sentido de que se trata de poder discricionário do Presidente da República, que evidentemente arca com o custo político de sua decisão.

Em um único precedente na ação direta de inconstitucionalidade, ADI 2795 – MC, que se insurgiu contra alguns aspectos do Decreto 4495/2002, o Supremo modificou a redação do decreto de indulto. Mas o fez não para alterar o seu conteúdo, e apenas para declarar o que estava implícito, ao dizer que o beneficio não se estendia aos crimes para os quais a Constituição expressamente veda o indulto.

Em síntese, discutem-se os pormenores do indulto, quando é certo que o Presidente tem poderes discricionários para decretá-lo, e não é esse o problema. O problema está em um sistema prisional totalmente incompatível com uma sociedade que se diz civilizada.

 é advogada, ex-desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS).

 

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