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Mídia Ninja quer dar lição ao 'jornalismo tradicional', mas precisa dar o exemplo

10/08/2013 - 13:14

Thiago Burigato

 O modelo alternativo de jornalismo tem ganhado espaço conforme o acesso à internet e a aparelhos celulares, filmadoras, máquinas fotográficas, tablets, etc. se torna mais comum. Assim, a filosofia do Do It Yourself (Faça Você Mesmo) tem sido aplicada cada vez mais também no tratamento e na divulgação de informações.

Seria o fim da mídia tradicional, propagada desde que alguns castatrofistas começaram a ver a web como uma ameaça ao reinado dos jornais impressos, das revistas e da televisão? A resposta para essa pergunta ainda não está clara, até porque para debater essa questão é necessário definir o que é esse “jornalismo tradicional” –– o que não será feito neste artigo. O que podemos constatar desde já, porém, é que a imprensa que não se baseia em orçamentos milionários e nomes reconhecidos vem se articulando de forma mais organizada e sendo melhor recebida pela população.

Com a onda de protestos iniciada em junho deste ano, ganhou destaque nas redes sociais e também nos veículos de imprensa a atuação do Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), que esteve cara a cara com manifestantes e com a Polícia Militar durante a cobertura dos protestos. Com uma câmera nas mãos, eles divulgaram tudo que acontecia ao seu redor, entre gritos, pedradas, bombas de gás lacrimogênio, coquetéis molotov e golpes de cassetete. Dois integrantes do grupo, Filipe Gonçalves de Assis e Felipe Garcia, chegaram a ser presos, em 22 de julho, supostamente por “incitação à violência”. Eles negam a acusação e defendem que foram levados pelos policiais por motivações políticas. Foram soltos poucas horas depois, quando os protestos daquele dia já tinham terminado.

No foco dos holofotes, o grupo é objeto de pauta em diversos portais e jornais do país. Nesta segunda-feira (5/8), seus fundadores, Bruno Torturra e Pablo Capilé, foram os convidados do Roda Viva, da TV Cultura. Cercados por jornalistas experientes e funcionários de grandes empresas, como o diretor da revista Telecom, Wilson Moherdaui, o professor e consultor de mídia digital Caio Túlio Costa, o colunista do "Estadão" e da revista "Época" Eugênio Bucci, a ombudsman da "Folha de São Paulo", Suzana Singer, e o editor do site e do programa Observatório da Imprensa, Alberto Dines, o ponto principal que eles tiveram que desmistificar foi a questão da independência jornalística dos ninjas.

Parciais eles admitem que são. E cobram que os grandes veículos de comunicação adotem a mesma postura e admitam seus posicionamentos. “Tomar posição, expressar livremente e não vestir o manto da falsa imparcialidade é parte da nossa proposta jornalística”, disse Bruno Torturra em entrevista publicada no blog do jornalista André Forastieri. No Roda Viva, Capilé foi crítico ao comentar a questão da parcialidade dos grandes jornais. “Dependendo do partido é cartel, dependendo do partido é quadrilha”, citando o escândalo – não muito difundido pela mídia - da licitação do metrô no Estado de São Paulo durante as gestões de governadores do PSDB.

Capilé e Torturra não se constrangem ao tomar parte nas manifestações e em suas ligações com movimentos sociais. Quanto à questão da independência, garantem, não agem em favor ou desfavor deste ou daquele partido, mas, por um motivo ou por outro, a dúvida sempre fica no ar. Durante a entrevista no Roda Viva, os dois afirmaram que as verbas públicas representam menos de 7% do pequeno orçamento do Fora do Eixo, o coletivo que abrange diversos grupos e movimentos sociais –– o Mídia Ninja é apenas um deles.

A Forastieri, os jornalistas relataram que o grupo é sustentado, essencialmente, por recursos próprios, “vindos de centenas de festivais, eventos culturais e atividades produzidas pela rede em mais de 200 cidades do Brasil. E, sobretudo, por um caixa coletivo. Já que nenhum real se torna lucro ou salários pessoais, mas paga um sistema de compartilhamento, esse recurso rende muito mais do que o esperado”.

Recursos públicos? “Sim, há recursos públicos no Fora do Eixo. Todos editais, públicos e auditados, que qualquer indivíduo ou coletivo pode disputar. Isso não é ‘dinheiro do governo’, ‘dinheiro do PT’. Isso é política pública e se dá em nível federal, estadual e municipal, independente do partido. Nenhum desses editais foi direcionado para a Mídia Ninja. E sim, a Mídia Ninja se considera totalmente independente.”

No programa, tiveram que explicar uma foto em que aparecem juntos a petistas, como Lula e José Dirceu. "Estamos próximos de tudo, somos multifacetados." Não há imagens deles próximos a tucanos, justificam, porque o PSDB não dialoga com os movimentos sociais.

Obviamente, somente as afirmações dos dois ninjas não acabaram com a boataria sobre os interesses do grupo. Como bem ressalta o jornalista do R7, isso só vai ter um ponto final quando forem apresentados documentos que comprovem a tal independência do grupo. Ser mantido parcialmente por verbas públicas não é um problema por si só, afinal de contas, que empresa de jornalismo hoje poderia apontar o dedo para os ninjas e dizer que não recebem dinheiro proveniente de publicidade estatal? A questão central é a transparência, um dos maiores motes do coletivo.

Capilé, Torturra e as outras cerca de duas mil pessoas que compõem o Mídia Ninja atualmente são representantes de um “novo” e “próspero” método de se fazer jornalismo? Como frisou Capilé durante a entrevista no Roda Viva, o grupo existe há dez anos, e só ganhou notoriedade agora graças à visibilidade gerada pelos protestos, somada à comoção pela atuação da mídia convencional e dos policiais durante aquele período.

Portanto, se se trata de um “novo”, é um novo que se constrói desde o início da efervescência da internet. O jornalismo alternativo não é exclusividade da rede mundial de computadores, e nem é algo que surgiu recentemente. O jornalismo participativo e colaborativo existe há décadas, mas é inegável que, assim como outras coisas julgadas perdidas –– tal qual o esperanto ou o mercado de vinis –– ganharam novo impulso com a propagação da internet. E isso é positivo, pois democratiza e pluraliza a difusão de informações.

Improvável que blogs, páginas de coletivos, zines e panfletos conquistem o espaço que os grandes sites, revistas e jornais dominam hoje em dia, mesmo com sua credibilidade cada vez mais em baixa. Ainda assim, grandes portais têm se apoiado em métodos utilizados por grupos como o Mídia Ninja –– o Terra, por exemplo, também mandou seus repórteres, de câmera em mãos, para acompanharem e transmitirem ao vivo os acontecimentos em São Paulo.

Mas o que o “velho” jornalismo mais tem a aprender de fato com o tal do “novo jornalismo” é a questão da transparência.  Se os ninjas quiserem passar alguma lição neste sentido e acabar com a boataria que ronda o grupo, ainda têm um passo importante –– e essencial –– a ser dado.


Quem quiser ler a entrevista concedida ao André Forastieri, acesse aqui:  Uma entrevista com Bruno Torturra, da Mídia Ninja

A íntegra do Roda Viva com Capilé e Torturra pode ser vista aqui: