informe o texto

Notícias | Geral

A culpa não é só das companhias

30/05/2013 - 10:09

Tiago Dupim

 Já virou lugar comum culpar as companhias por qualquer atraso nos aeroportos. Mas será que realmente elas devem ser crucificadas por tudo?

Para saber um pouco mais sobre essa tênue relação entre passageiros e empresas aéreas, conversamos com Guilherme Lopes do Amaral, advogado que atua na área de direito aeroviário. Há vários anos ele atende as principais companhias aéreas no país. Durante quase uma hora, o especialista falou sobre os problemas operacionais das companhias áreas no Brasil e também a respeito dos direitos dos passageiros. Confira como foi:


AVIÃO REVUE – As companhias aéreas brasileiras reclamam dos impostos elevados que são obrigadas a pagar por aqui. Essas taxas são muito diferentes em outros países?


AMARAL – A carga tributária é mais alta no Brasil para todos os setores. No entanto, ela não é o único ponto que influencia o fato de as companhias brasileiras serem menos competitivas ou terem mais problemas para atingir uma margem de rentabilidade. O país tem vários gargalos, principalmente no que se refere à infraestrutura, impedindo que as companhias sejam mais eficientes.
AVIÃO REVUE – Quais são os outros fatores que impactam diretamente a rentabilidade das companhias aéreas?


AMARAL – Vários deles. Por exemplo: li há pouco tempo que os voos desviados de Congonhas por questões climáticas não podem mais pousar em Guarulhos devido à limitação de espaço para estacionamento de aeronaves. Quando os aviões precisam ser transferidos para pousar em aeroportos longínquos, perde-se muito combustível. Ou ainda o fato de o controle de tráfego aéreo não ser tão eficiente; invariavelmente vemos os jatos dando voltas para poder pousar, o que também causa desperdício de querosene. Um atraso de voo, a falta de um portão para estacionar ou sair gera problemas operacionais que custam caro.


AVIÃO REVUE – O passageiro também acaba sendo afetado por esses problemas operacionais. Como as companhias analisam essa questão?


AMARAL – Penso que, atualmente, o Brasil tem um sistema de proteção aos passageiros às vezes exagerado. Isso encarece a operação das companhias por aqui. O fato de uma companhia aérea ser obrigada a prover hospedagem e alimentação aos passageiros em casos de atrasos de curta duração impacta diretamente os preços das tarifas. Quando uma determinada empresa aérea estrangeira vem operar no país, ela aprende uma lição: mesmo que não seja culpada, é de responsabilidade dela tudo que acontece por aqui.
A resolução 141 diz que, em caso de duas horas de atraso, a companhia precisa oferecer alimentação aos passageiros. Mas nenhum ser humano se alimenta de duas em duas horas. Se você ficar esse mesmo tempo preso no trânsito, ninguém vai lhe oferecer comida por isso. Essa proteção exacerbada acaba sendo ruim para o consumidor, pois essas despesas das companhias são colocadas no preço das passagens.


AVIÃO REVUE – Mas o passageiro não precisa ter os seus direitos preservados?


AMARAL – É claro que o consumidor precisa ser protegido e ter os direitos dele atendidos. Mas, há um limite nessa indústria que, muitas vezes, é ultrapassado. Temos sempre a ideia de que, dentro do aeroporto, o passageiro está muito mais vulnerável e exposto do que se ele estivesse na rua, shopping center ou mesmo em um engarrafamento. Às vezes isso não é verdade. É comum enxergar as empresas aéreas como grandes conglomerados que devem arcar com todos os custos da indústria de aviação comercial. No entanto, nem sempre esses gastos têm que ser direcionados para elas. Um vulcão que expele cinzas, uma nevasca ou neblina são riscos que não competem às companhias aéreas.


AVIÃO REVUE – Judicialmente, esses fatores naturais que impedem a realização de alguns voos são de responsabilidade das companhias aéreas?


AMARAL – No judiciário brasileiro, o que se entende majoritariamente é o seguinte: a partir do momento em que o passageiro entrou no aeroporto, a companhia aérea é responsável por ele. Pela infraestrutura aerportuária que temos atualmente, um atraso de uma hora não é nada de mais. No entanto, é necessário deixar o passageiro utilizar o telefone ou até mesmo a internet. Claro que temos exceções. Existem juízes que sabem o quanto é complexa esse tipo de operação. Esses entendem que, em caso de fatores alheios à nossa vontade, não se pode culpar as empresas.
AVIÃO REVUE – Quais são os principais problemas na relação passageiro e companhia aérea no que se refere à esfera jurídica?


AMARAL – São dois. O primeiro é o exagero com a concessão de indenização por danos morais. O judiciário brasileiro extrapola nessa questão. Uma coisa é um voo atrasar duas horas e outra é o consumidor esperar 48 horas sem assistência. Muitas vezes, nos dois casos a companhia aérea é obrigada a pagar uma compensação. A segunda é o desrespeito à Convenção de Montreal, da qual o Brasil é signatário e que estabelece um valor padrão de indenização para uma bagagem perdida pela companhia. O viajante pode dizer que a mala dele tem objetos de valores elevados e, como a empresa aérea não pode provar o contrário, acaba sendo condenada a pagar uma quantia bem maior.


AVIÃO REVUE – Como funciona o novo modelo de concessão dos aeroportos proposto pelo governo?


AMARAL – O governo está mudando os modelos à medida que os dias passam e também por conta das críticas recebidas. Até uns dias atrás, a ideia era passar a concessão de novos terminais para as empresas privadas
e, em troca, estas explorariam as áreas comerciais daquele terminal. Isso não resolve, pois estaríamos apenas custeando a obra. Nesse caso, a operação e a gestão dos aeroportos continuariam com a Infraero. Agora, o novo modelo seria criar primeiramente uma estrutura em que a Infraero participe das concessões e, depois, abrir o capital da estatal. Porém, já está se falando em realmente privatizar os aeroportos e deixar a gestão também a cargo de empresas privadas.


AVIÃO REVUE – Fala-se também na possibilidade de as companhias aéreas assumirem alguns aeroportos. Isso seria interessante?


AMARAL – Elas têm um limitador, que é a capacidade de investimentos. Além disso, tem a questão de sair do foco do negócio principal para ingressar em outro. É possível que algumas delas tenham interesse em participar de consórcios que administram aeroportos. Temos muitas empresas que são especializadas na gestão desses equipamentos. Talvez seja interessante pensar em um modelo aberto. Independentemente se a companhia é dedicada ao transporte de passageiros, carga ou outro tipo função, o importante é que o candidato tenha competência e capacidade financeira e técnica para gerir um projeto como esse.


AVIÃO REVUE – Em sua opinião, entregar os aeroportos à iniciativa privada é a solução para melhorar a nossa infraestrutura aeroportuária?


AMARAL – Acredito que sim, pois até agora o governo demonstrou não ter capacidade para realizar os investimentos necessários. Talvez pelo excesso de foco e também por limitações técnicas ou orçamentárias, acaba dedicando-se a outros problemas. Há anos estamos falando de gargalos relacionados à infraestrutura, mas pouca coisa mudou até agora.

 

Informe seu email e receba notícias!

Sitevip Internet