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A 'novela' de Cesare Battisti no Brasil

20/10/2017 - 08:02 | Atualizada em 20/10/2017 - 08:09

Sérgio Mauro

Os fatos que concernem às peripécias de Cesare Battisti no Brasil, desde a sua chegada anos atrás como clandestino até o último habeas corpus que lhe foi concedido beiram o surreal. Realmente não é compreensível por que o governo brasileiro da época, representado por Tarso Genro e por Lula, resolveu negar o que era direito do governo italiano: a extradição pura e simples.

Na Itália, com exceção de poucas, isoladas e tendenciosas vozes, não há quem não considere no mínimo estranha a atitude das lideranças brasileiras. Battisti foi um terrorista (ou militante armado da extrema esquerda) que participou de assaltos à mão armada, supostamente visando ao “abastecimento” das fontes financiadoras quase secas da luta armada na Itália dos anos 70, e direta ou indiretamente foi responsável pela morte de pessoas inocentes (se excluirmos a visão unilateral e radical que considera inimigos do povo todo comerciante e todo industrial). Escapuliu das prisões italianas por meios ainda pouco claros e, mediante artimanhas e expedientes ainda mais obscuros, foi para a França onde viveu até ser descoberto. Para reforçar ainda mais a pecha que paira sobre o Brasil, isto é, de ser um refúgio seguro para ladrões internacionais, decidiu finalmente aportar em terras tupiniquins com passaporte falso. 

Em que medida a trajetória de Battisti lembra a de um legítimo refugiado político? Com que direito o Brasil pode negar a extradição de um homem que a justiça italiana condenou à prisão perpétua? Trata-se somente de uma espécie de retaliação contra o governo Berlusconi que na época solicitou enfaticamente a sua extradição? Há muitas perguntas sem respostas coerentes neste episódio. Houve até mistérios e prováveis invenções fantasiosas que envolveram Carla Bruni, a modelo italiana que é mulher de um líder político francês.

A verdade é que quando finalmente o presidente Temer (em um dos poucos momentos de lucidez da sua gestão) resolveu mandar para casa o ex-terrorista italiano, eis que lhe concederam mais uma chance, que provavelmente não será a última. Por quê?

As alegações do ex-terrorista italiano não procedem. Não convence a história por ele inventada de que foi objeto de perseguição política na Itália ou de que foi ameaçado de morte. Só para dar um exemplo, Renato Curcio, líder histórico das “Brigate Rosse” (“Brigadas Vermelhas”), o mais importante e o mais organizado grupo armado de extrema esquerda, bem mais combativo do que o grupo de Battisti, cumpriu a sua pena na prisão e hoje é um editor “alternativo”. Curcio era estudante e intelectualizado, enquanto Battisti está mais para um bandido comum que, talvez inocentemente e sem saber por qual motivo, engajou-se na luta armada, como tantos jovens da época que não acreditavam mais na possibilidade de transformação da sociedade italiana por vias democráticas.

Também não parecem convincentes as alegações dos que o defendem, isto é, de que a Itália, apesar de ser na época um Estado democrático, usou toda a força policial, inclusive medidas de exceção, para combater os grupos armados de esquerda, mas acobertou ou fez vista grossa para os de extrema direita. Mesmo que isto fosse verdade, não inocentaria Battisti. Se na juventude ele tivesse sido um militante neofascista, como teria se comportado o governo Lula? 

Não há como usar, no caso, dois pesos e duas medidas, pois é preciso condenar qualquer forma de luta armada (de direita ou de esquerda), embora seja perfeitamente compreensível que os jovens, sobretudo os mais idealistas, nos anos 60 e 70 (mas talvez ainda hoje), não conseguissem reconhecer no Estado democrático um meio eficaz para melhorar a sociedade.

Enfim, se um ex-militante político brasileiro, de esquerda ou de direita, se refugiasse na Itália, o governo italiano não teria o direito de contrariar uma decisão soberana da justiça brasileira que eventualmente o condenasse à prisão perpétua. Espero, portanto, que o bom senso prevaleça e que Battisti possa definitivamente ficar à disposição da justiça italiana.

*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

 

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