07/10/2017 - 08:16 | Atualizada em 07/10/2017 - 08:19
Angelo Segrillo*
Um espectro rondou a Revolução Russa desde o começo: o espectro do nacionalismo. A ideologia marxista bolchevique era uma ideologia de classe, mas tinha que lutar para deslocar outra poderosa ideologia do século XIX: a ideia da nação e pátria como a principal lealdade do cidadão.
Os revolucionários estavam otimistas inicialmente. O marxismo prega o internacionalismo proletário e afirma que o nacionalismo é um fenômeno do capitalismo nascente, quando é preciso criar um mercado capitalista nacional unificado em vez da fragmentação feudal. Na época do imperialismo e capitalismo monopolista (a partir do último quartel do século XIX), com suas empresas multinacionais, a globalização já se tornaria mais forte até a revolução socialista decretar o fechamento definitivo dos botecos das nações (tese do fim do estado-nação).
Na realidade, não foi isso que aconteceu. Desde a Revolução Russa até a dissolução da URSS, o nacionalismo rondou os destinos da pátria do socialismo. Diversos povos da União Soviética se rebelaram ao longo do tempo (ucranianos, georgianos, chechenos, etc.). Durante a Segunda Guerra Mundial, Stalin usou mais o grito de guerra de “Pela Pátria!” que “Pelo Socialismo!”. E o final da URSS (desintegração em suas repúblicas nacionais componentes) foi visto por muitos como uma vitória das nações sobre o projeto do internacionalismo soviético.
'O vocábulo 'cosmopolitismo' virou palavrão na URSS na época de Stalin. 'Cosmopolitas' seriam aqueles que viviam deslumbrados com o que ocorria no exterior e denegriam o que acontecia na União Soviética'
Após a Revolução de 1917, os bolcheviques se apressaram em criar o Komintern, a Internacional Comunista, que deveria congregar os partidos comunistas pelo mundo inteiro, de modo que juntos pudessem planejar a revolução comunista mundial. Ou seja, a ideia é que a revolução comunista fosse mundial (e não meramente nacional, da Rússia). Entretanto, com o passar do tempo e as dificuldades de se espalhar a revolução pelo resto do mundo, aos poucos foi surgindo o conceito do “socialismo em um só país”, ou seja, a ideia de que seria possível construir o socialismo completo mesmo que apenas dentro da URSS. Os debates entre Trotsky (com sua “teoria da revolução permanente”) e Stalin (com sua “teoria do socialismo em um só país”) foram emblemáticos dessa questão. Com a vitória de Stalin, tivemos outro fenômeno estranho: a Internacional Comunista acusada de ser “nacionalista”, isto é, do Partido Comunista da União Soviética dominar os partidos dos outros países em prol de seus interesses próprios e não do internacionalismo proletário.
Uma das vítimas dessas políticas de Stalin foi o vocábulo “cosmopolitismo”. Virou palavrão na URSS na época do líder georgiano. Segundo essa concepção, “cosmopolitas” eram aqueles que viviam deslumbrados com o que ocorria no exterior e denegriam o que acontecia na União Soviética. Já o termo “internacionalismo” (como em “internacionalismo proletário”) tinha conotações positivas e era “politicamente correto” utilizá-lo.
Interessante imaginar o que Marx pensaria dessa discussão toda após sua morte e o que ele proporia para remediar a irônica situação atual do socialismo no mundo onde, por um lado, a URSS acabou, mas a o país (“nação”?) com a economia mais dinâmica do mundo é um país comunista (a China).
*Angelo Segrillo é historiador da USP, autor do livro Os Russos (Editora Contexto)
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