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A nova batalha contra o extremismo ideológico online

16/08/2017 - 09:23 | Atualizada em 16/08/2017 - 09:31

Mark W. Datysgeld

Aconteceu em 14 de agosto um movimento atípico no andamento normal das atividades na rede mundial de computadores, quando a maior companhia revendedora de domínios de Internet, a GoDaddy, notificou ao website neonazista The Daily Stormer que não proveria mais serviços a ele devido a uma violação de termos de uso. A GoDaddy operava o domínio “.com” do website desde 2013, em despeito de seu conteúdo extremamente agressivo, antisemita, e por vezes criminoso.

Isso se deve ao fato de que existe uma expectativa na rede de manutenção da liberdade de expressão, e empresas como a GoDaddy normalmente só encerram contratos mediante ordens judiciais. No entanto, o ponto de virada nesse relacionamento ocorreu após a marcha denominada Unite the Right, inicialmente planejado para os dias 11 e 12 do mesmo mês, em Charlottesville, no estado da Virginia. O objetivo da agregação era de demonstrar a força de movimentos nacionalistas, supremacistas, e neonazistas.

Fortemente promovida pelo The Daily Stormer, a marcha sofreu forte oposição por parte de variados grupos e indivíduos que se reuniram em Charlottesville para protestar contra ela. Em meio a um estado de emergência declarado pelo governador, foi ordenado o cancelamento da marcha, sob a alegação de que a polícia não possuía força o suficiente para lidar com confrontos que poderiam ali emergir. Durante a tarde, um carro foi arremessado contra uma aglomeração de pessoas que protestavam contra a marcha, causando uma morte e 19 ferimentos. 

No dia seguinte, o dono do website publicou uma matéria a respeito da mulher assassinada de 32 anos, Heather Heyer, afirmando que apesar da aparente comoção social em torno de sua morte, na verdade as pessoas estariam gratas que uma mulher de sua idade gorda e sem filhos não estivesse mais viva, pois isso provava sua inutilidade perante a sociedade. Isso gerou tamanho ultraje que a GoDaddy finalmente decidiu que não estava mais disposta aceitar o contrato do The Daily Stormer, depois de meses sendo pressionada por ativistas a abandoná-los.

O website tentou levar seu domínio para o serviço equivalente da Google, mas em poucas horas também foram banidos pela empresa. Criou-se um ambiente no qual ficou aparente que nenhum serviço estava disposto a trabalhar com eles, pois na sequência o Facebook começou a deletar links para o artigo a respeito de Heyer, e outras plataformas sociais diversas vinculadas ao website foram tiradas do ar. Isso complementa ainda o movimento em que a Airbnb havia impedido pessoas que planejavam comparecer à marcha de usarem seus serviços para se hospedar na cidade.

Restou então ao The Daily Stormer se mudar para a chamada darknet, utilizando o serviço de anonimato Tor para hospedar seu website em uma rede paralela à que usamos em nosso dia-a-dia. Se por um lado ele continua em existência, seu público potencial é muito menor, pois para acessar websites na rede Tor é necessário fazer uso de um aplicativo específico e tomar passos adicionais podem ser complexos para usuários leigos. Além disso, seu conteúdo não ficará mais facilmente acessível por meio de sistemas de busca, pois esses não indexam a rede Tor.

Podemos dizer que em termos de equilíbrio social, essa foi uma vitória. É incontestável que o conteúdo sendo apresentado passava dos limites do aceitável e transgredia o direito de expressão, podendo ser categorizado simplesmente como criminoso. Dito isso, é importante também pensarmos no precedente que isso estabelece para a continuidade da chamada governança da Internet.

O que ocorreu nesse caso foi que a decisão tomada por uma empresa privada desencadeou uma reação dentre outras de seu meio, criando um consenso geral que, mesmo sem se sustentar em nenhum acordo formal, teve efeito equivalente a uma lei (ou norma). Isso demonstra o potencial para uma governança privada da rede mundial de computadores, que mesmo que nesse caso tenha sido usada para o bem geral, poderia facilmente ser usada para o efeito contrário. É necessário manter atenção ao tema e manter seu debate contínuo.

Mark W. Datysgeld é bacharel e mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), especialista nos temas da Governança da Internet e formação de políticas públicas. É membro do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais do IPPRI/UNESP (NEAI) e criador do curso Governance Primer, iniciativa gratuita de ensino de Governança da Internet na América Latina.

 

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