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28/10/2020 - 21:58 | Atualizada: 30/10/2020 - 06:21

MPF recorre para afastar Ricardo Salles e o acusa de desmonte dos órgãos ambientais

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1) em Brasília contra decisão da Justiça Federal que negou o pedido de afastar Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente.

O pedido de afastamento foi feito em ação de improbidade administrativa que acusa Salles de desestruturar intencionalmente as estruturas estatais de proteção ambiental do estado brasileiro.

No recurso (um agravo) o MPF aponta que, ao negar o afastamento de Salles, a Justiça ignora farta jurisprudência que prevê a intervenção judicial quando a permanência de um acusado de improbidade coloca em risco bens fundamentais e direitos constitucionais. O documento cita várias decisões de tribunais em que autoridades públicas foram mantidas afastadas de seus cargos para proteger a probidade administrativa e direitos coletivos.

O pedido de afastamento chegou ao poder Judiciário em 6 de julho e houve demora de mais de 3 meses para que fosse examinado – em meio a uma discussão processual sobre o local onde o caso deveria ser julgado. Quando finalmente foi examinado, em 14 de outubro, o juiz Márcio França Moreira, da primeira instância da Justiça Federal em Brasília, negou a liminar por entender que em ações de improbidade só cabe afastamento se houver prejuízo à instrução do processo judicial e que isso não estava presente no caso de Salles.

O MPF discorda desse entendimento e argumentou ao TRF1 que existem indícios suficientes de que a permanência de Ricardo Salles, além dos graves danos ambientais e administrativos, também ameaça o andamento do processo de improbidade contra ele. O ministro já ameaçou servidores públicos de instauração de processo administrativo disciplinar, impede os órgãos ambientais – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – de falarem com a imprensa e produz um clima de ameaça e silenciamento entre os servidores federais das carreiras de meio ambiente, o que prejudica a busca pela verdade.

O MPF argumenta ainda que a prevenção do dano é objetivo primordial quando se trata de proteger direitos coletivos, como o meio ambiente, já que a indenização ou medidas de responsabilização posteriores aos danos não compensam os prejuízos sofridos pela coletividade. “Daí porque o Poder Judiciário, no exercício do poder geral de cautela, tem um importante papel a desempenhar no sentido de prevenir ofensas aos interesses difusos (aí englobado o patrimônio público e o meio ambiente, ambos protegidos constitucionalmente) ou pelo menos fazê-las cessar ou impedir a repetição”, diz o recurso.

No caso de Salles, a cada dia que ele permanece no cargo, os danos crescem, tanto aos biomas brasileiros quanto ao sistema de proteção ambiental que, mesmo após o ajuizamento da ação, ele nunca parou de atacar. O recurso cita a revogação, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, após a retirada da maioria dos representantes da sociedade, das resoluções que protegiam áreas de restinga e manguezais, entornos de reservatórios de água e que disciplinavam o licenciamento ambiental para projetos de irrigação.

Ele precisa ser afastado, diz o MPF, “porque os efeitos da fragilização da estrutura administrativa são imediatos, como mostram os dados sobre o aumento do desmatamento e o avanço de atividades econômicas ilegais sobre áreas de floresta nativa, incluindo áreas especialmente protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação”. “A desregulamentação de medidas proibitivas, a desmobilização de servidores e o desmonte da fiscalização consistem em frentes permanentes de fragilização dos órgãos ambientais federais, cujos efeitos podem se tornar irreversíveis”, aponta o agravo.

Entre os meses de julho – quando o pedido de afastamento foi feito à Justiça – e outubro – quando ele foi finalmente negado, houve a perda de 27% do Pantanal e tanto o desmatamento quanto as queimadas alcançaram recordes históricos na Amazônia, superando até mesmo os índices de 2019, primeiro ano em que Salles esteve a frente do Ministério do Meio Ambiente. “Verifica-se, assim, que o desmatamento no Brasil vem apresentando, ao longo dos últimos dois anos, níveis alarmantes. Recordes de pelo menos uma década vêm sendo reiteradamente vencidos. No ano de 2019, o país foi o responsável, sozinho, por um terço da degradação de florestas nativas no mundo”, lembra o recurso.

Erosão

Para o MPF, os atos de desestruturação promovidos por Ricardo Salles “quando analisados em conjunto, promovem uma verdadeira erosão das instituições relacionadas ao meio ambiente. A doutrina constitucional vem ressaltando o caráter pernicioso de práticas que enfraquecem ou aniquilam as instituições por dentro, sob uma chancela democrática, como se as urnas pudessem autorizar uma atuação deliberada contra direitos que constituem, em muitos casos, cláusulas pétreas em nosso ordenamento”.

O agravo sustenta que a erosão das instituições é um processo silencioso e paulatino, nem sempre percebido de forma imediata e que ocorre sob aparência de normalidade no funcionamento das instituições quando, na verdade, estão sendo esvaziadas de seu papel constitucional. “Por exemplo: em vez de extinguir o Conama, promove-se a sua reconfiguração, mediante a exclusão da sociedade civil e a garantia de maioria, de forma permanente, em favor do governo; em vez de acabar com a fiscalização, afastam-se os agentes públicos combativos e promove-se a redução de recursos orçamentários; em vez de especializar as instituições de natureza mais técnica, nomeiam-se agentes sem qualquer experiência e garante-se uma lealdade ao projeto de esvaziamento”, exemplifica o MPF. O afastamento de Ricardo Salles é necessário, conclui o recurso, para “sustar um processo deliberado de desmonte das estruturas ambientais”. (Fonte: MPF)
 
 
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