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20/09/2020 - 09:54 | Atualizada: 20/09/2020 - 09:58

A falta que faz o diplomata, economista e político Roberto Campos

No início de outubro, em 2001, quando chegavam as primeiras chuvas da temporada no Centro-Oeste, morreu no Rio de Janeiro Roberto Campos, abatido por um infarto, aos 84 anos.

Lá se vão quase vinte anos sem sua inigualável presença: inteligência, combatividade, verve. Era um arraso para as esquerdas, que combatia com argumentos sólidos e com um humor corrosivo e fulminante. Era uma figura conhecida no meio político brasileiro, e por consequência, também em Goiás.

Cuiabano de família pobre, mas dotado de brilhante inteligência, sempre buscou se ilustrar. Perdeu o pai aos 5 anos. Sem meios de custear o estudo superior, ingressou em um seminário mineiro aos 17 anos, de onde saiu antes de se ordenar padre, para tentar a vida no serviço público. Ao ingressar por concurso no Itamaraty, aos 22 anos, estava abrindo para si as portas de uma carreira que seria notável, e não só como diplomata.

Designado para servir nos Estados Unidos, não se acomodou. Fez uma pós-graduação em Economia, enquanto trabalhava em Washington. Sua inteligência sempre foi chamativa, o que lhe valeu convites para trabalhos importantes no governo (eleito) de Getúlio Vargas, no de Juscelino e no de Castello Branco.

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Roberto Campos: o Bob Fields que se tornou Robarchev e nunca deixou de ser um crítico do Estado pantagruélico | Foto: reprodução

No governo Jango foi embaixador do Brasil nos EUA e, no governo Geisel, embaixador no Reino Unido. Em todos os cargos deixou marcas importantes. Basta dizer que participou da criação da Petrobrás, do Banco Central, do BNDES, do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e do BNH (o extinto Banco Nacional da Habitação). Foi um dos redatores do Estatuto da Terra, no governo Castello Branco.

Só fui conhecê-lo pessoalmente no início da década de 1980. Quando eu ocupava o governo goiano, entre 1975 e 1979, Campos era embaixador em Londres, e organizei mais de uma vez uma comitiva de empresários goianos para um seminário que ele de tempos em tempos promovia, visando dar a conhecer na Europa oportunidades de negócios no Brasil. Mas, não tendo tempo de me ausentar do governo, que já era por si só muito absorvente (Goiás e Tocantins ainda não se haviam separado), eu não compareci a esses eventos.

Eu havia terminado meu mandato de governador em março de 1979 e me preparava para um mestrado em engenharia no exterior, quando tive, por várias razões, que mudar esses planos e me candidatar a deputado federal nas eleições de 1982. “Quando os homens fazem planos, os deuses riem”, diz um velho ditado judeu. Foi nessa época, em fins de 1981 se não me engano, que recebi um recado de Roberto Campos, transmitido por um amigo comum, Luís Gonzaga Mascarenhas (fora presidente da Caixa Econômica de Goiás — Caixego — no governo Otávio Lage).

 width=Precisava falar comigo, com certa brevidade. Eu teria alguma viagem a São Paulo? Poderíamos marcar em algum outro lugar? Intrigado, pois não conhecia o embaixador e sequer imaginava o que teria a tratar comigo, antecipei uma viagem a São Paulo, onde Mascarenhas estava residindo, e fizemos uma reunião com Roberto Campos, em seu apartamento no centro da capital paulista.

Mascarenhas havia matado minha curiosidade: o embaixador ia ser candidato ao Senado por Mato Grosso, seu Estado natal, e como nunca havia participado de um pleito pedia que eu o aconselhasse. Conhecendo o Estado vizinho, fiz uma análise das possibilidades para Campos. Suas chances eram boas, o candidato a governador de sua coligação estava muito bem nas pesquisas, o que auxiliaria a chapa na eleição para o Senado. O adversário do embaixador era o ex-governador Garcia Neto, que não saíra com muita aprovação do governo, e era, além disso, um sergipano empurrado em Mato Grosso numa eleição indireta. O bairrismo funcionava, e Roberto Campos, embora ausente, sempre nas altas esferas ou no exterior, era mato-grossense, e muito conceituado.

Fiz um relato para ele, aconselhei-o a percorrer o Estado juntamente com o candidato ao governo e a não ser muito erudito nos discursos, pois falaria para pessoas simples. Acabou eleito senador e ao fim desse mandato elegeu-se duas vezes deputado federal.

Como fui eleito senador em 1986, convivemos no Senado por quatro anos, os dois primeiros na Constituinte, onde enfrentamos uma dura batalha com as esquerdas, que se preparavam para outorgar ao país uma constituição socialista. Conseguimos afastar grande parte dos absurdos, mas, mesmo assim, acabamos por ver aprovada uma Constituição detalhista, contemplando um Estado hipertrofiado, com privilégios e direitos sem os correspondentes deveres. Enfrentamos posteriormente no Senado uma luta para derrubar a chamada “reserva de informática”, imposta pela Lei 7232/84, que proibia importação de equipamentos e programas de computação, provocando um enorme atraso num dos setores mais importantes do conhecimento atual. A malfazeja lei prejudicou professores, estudantes e empresários e beneficiou a pirataria e o contrabando. Infelizmente, só veio a cair pela Lei 8248/91, no governo Collor, mesmo assim contra o alarido das esquerdas, sempre a favor do atraso, embora se intitulem “progressistas”.

Roberto Campos era um mestre nos debates, sempre pronto nas respostas, cortante nos apartes, demolidor nas discussões. As esquerdas o odiavam, e tinham boa cobertura da imprensa, que, com predominância canhota, também nunca o engolia.

Roberto Campos deixou uma alentada autobiografia, “Lanterna na Popa” (Topbooks, 1994), e recebeu uma homenagem em seu centenário promovida pelo editor José Lorêdo Filho, organizada pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins e pelo economista Paulo Rabello de Castro: uma publicação de depoimentos de pessoas que conheceram e conviveram com notável embaixador, economista, congressista e tanta coisa mais. Três dezenas de testemunhos de sua importância na história brasileira. O livro chamou-se “Lanterna na Proa — Roberto Campos Ano 100” (Resistência Cultural, 2017). Vale a pena sua leitura: retrata por inteiro uma das mais importantes personalidades brasileiras da atualidade.

Algumas de suas frases de espírito, que pude ouvir ao vivo

“O que os governos latino-americanos almejam é um capitalismo sem lucro, um socialismo sem disciplina e investimento sem capital estrangeiro.”

“O PT é o partido dos trabalhadores (que não trabalham), dos estudantes (que não estudam) e dos intelectuais (que não pensam).”

“No socialismo, as intenções são melhores que os resultados; no capitalismo, os resultados são melhores que as intenções.”

 width=“Continuamos a ser colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente obedientes às autoridades. No fundo, a diferença é que, antes, a autoridade era Lisboa, e hoje é Brasília.”

“Nunca me iludi com o totalitarismo de esquerda, por uma razão bastante simples: Deus fez os homens profundamente desiguais.”

“Nossos artistas e intelectuais de esquerdam admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram três coisas que só o capitalismo pode oferecer: ausência de censura, cachê em moeda forte e consumismo burguês. São filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola.”

Frases cortantes sobre a detalhista Constituição de 1988

“A palavra produtividade só aparece uma vez no texto constitucional; as palavras usuário e eficiência, duas vezes. Em garantias, fala-se 44 vezes, em direitos 76 vezes, e em deveres, apenas 4 vezes.”

“A Constituição afirma que a saúde é um direito de todos. Os idosos, como eu, sabem que é capricho do Criador.”

“É difícil exagerar os malefícios desse misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se transformou nossa Carta Magna. A Constituição promete-nos uma previdência social sueca com recursos moçambicanos e um país ideal onde é mais fácil o divórcio da mulher do que a dispensa do empregado.”

 
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