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14/06/2020 - 08:30 | Atualizada: 14/06/2020 - 08:36

O berro dos entendidos de tudo e especialistas em nada

Novo colunista do Portal MaisPB, o professor e doutor Antônio Martins Colaço Filho disseca, na estreia, assunto pertinente demais. Atualíssimo, por sinal.

Ele discorre sobre o “homem-massa”, sujeito social que reverbera discurso de suas fontes primárias de certa idolatria, coisa comum entre fanáticos políticos.

Nas redes sociais é, portanto, comum avistar os entendidos de tudo e especialistas em nada sem qualquer receio de opinar sobre temas e assuntos específicos cujo domínio se nivela ao piso da sala.

Esses tipos estão aí por toda a parte, com parecer sobre qualquer coisa. Geralmente, apenas e tão somente, reverberando o que alguém disse ou pensa e que se coaduna com sua visão de mundo.

Se é verdade ou mentira, pouco importa. Não é essa a questão impulsionadora. Basta que esteja no círculo restrito de suas pre-concepções.

É um fenômeno assustador pelo alcance e potencial maléfico e destrutivo. Auto-destrutivo, também, por sinal.

Colaço Filho conseguiu dizer tudo o que um analista do cotidiano poderia, mas com o bônus de sua performance ser recheada de teoria, ciência, filosofia e sociologia.

Um brinde para os leitores do Portal MaisPB, que divido agora com quem se ocupa a não me deixar solitário pelos labirintos do Blog.

O Homem-massa virtual na era covidiana

Em 1929, José Ortega y Gasset ( filósofo espanhol nascido em 9 de maio de 1883 em Madri),  denunciou a emergência do homem-massa, cuja conduta caracterizou, entre outros aspectos, pela convicção de que é capaz de emitir opiniões sobre todo e qualquer assunto. Hodiernamente, floresce nas redes sociais um rol de comportamentos análogos àqueles descritos pelo escritor espanhol. A noção de que todos são iguais e especiais – independentemente das capacidades inatas e do esforço pessoal – impele muitas pessoas a concluir que já possuem todos os elementos necessários para forjar ideias sobre todo e qualquer assunto.

Assim, convicto de sua autossuficiência intelectual, o homem-massa virtual emite opiniões peremptórias e inegociáveis sobre assuntos que não domina (p. ex. diagnóstico e tratamento de doenças, pandemias, manipulação genética, políticas públicas de saúde, geopolítica etc). O “hermetismo intelectual” é potencializado pelas redes sociais, onde opera em modo binário e superficial, ao sabor dos likes e dislikes.

Assim, o homem-massa virtual esconjura opiniões que violem o seu credo político; curte e dissemina o que faz coro com seu “repertorio de ideias”; é condescendente com manifestações infundadas, que acolhe e compartilha, desde que se compaginem com suas preconcepções; esquiva-se de questionamentos e se mostra cético em relação a informações que ponham em xeque seus ídolos, em que pesem os sobejos argumentos em sentido contrário. Em suma, rejeita a própria ideia de aprofundar argumentos que divirjam do seu conjunto de crenças, da sua estreita visão de mundo.

A bem da verdade, a atitude do homem-massa não é um traço de personalidade que acomete certos indivíduos intelectualmente menos afortunados ou relapsos, mas pode estar presente em nossas atitudes cotidianas virtuais e analógicas. Tendo em vista a mixórdia de informações que nos invadem os écrans e tomam nossa atenção de sequestro, é forçoso reconhecer a inviabilidade de emitir opiniões sensatas, equilibradas e racionais sobre todo e qualquer assunto.

A humildade intelectual recomenda que nos abstenhamos de tecer comentários quando nos falta conhecimento acerca da matéria. Ademais, tendo em vista que nossa atenção é limitada, faz-se necessário restringir a quantidade de informações a que nos expomos. Nesse sentido, o conjunto de valores que nos são mais caros devem servir como bússola, a nos orientar acerca do que investigar com mais afinco e do que desprezar.

O respeito aos valores próprios e dos outros ganha cada vez mais importância numa época onde as velas da vaidade fremem, ao sabor dos ventos, alimentando as veleidades dos perfis virtuais.

 
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