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20/04/2020 - 14:21 | Atualizada: 20/04/2020 - 14:29

Uma esfinge na presidência

Em um mito grego, um monstro chamado Esfinge aterroriza a cidade de Tebas com um enigma: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, à tarde tem dois e à noite tem três?” Ao que adiciona: “Decifra-me ou devoro-te.” O mesmo faz Jair Messias Bolsonaro nos dias que correm: lança um enigma às instituições para ver se elas respondem. Se não o fizerem, serão devoradas.

Nas últimas semanas, o presidente fez acenos aos seus seguidores e os encorajou a participar das manifestações de 15 de março contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Ele próprio compareceu em uma delas e cumprimentou o público. Chegou a compartilhar um vídeo em que elogiava a iniciativa ao se dirigir a militares, policiais e empresários. Não fosse o coronavírus, teríamos visto um número muito maior de pessoas manifestando-se a favor do presidente e contra as instituições da República.

A atuação de Bolsonaro foi criticada pelo estamento político. O ministro Celso de Mello, do STF, declarou que o presidente não estava à altura do cargo; o governador de São Paulo, João Doria, criticou aquilo que chamou de “governo de ódio”. No dia da manifestação, Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, criticaram a atuação de Bolsonaro na saúde pública, uma vez que, ao participar dos protestos e saudar os manifestantes, o presidente da República desrespeitou os protocolos do próprio Ministério da Saúde para conter a epidemia de coronavírus.

Em entrevista à CNN Brasil, foi dado ao presidente um largo tempo de tevê para que esclarecesse sua atitude. Bolsonaro provocou Alcolumbre e Maia convidando-os a comparecerem nas manifestações também, dizendo que política se faz por intermédio do povo. Por fim, disse que as negociações políticas não poderiam ser feitas nos bastidores e sim publicamente, com a participação da população. O discurso da ligação direta entre o líder e o povo, que ignora a intermediação das instituições, é a definição mais clássica de populismo.

O fato de o presidente incitar subversão aos poderes instituídos pela Constituição faz parte de um movimento mais antigo, que remonta aos tempos de campanha, quando, repetidas vezes, ele desacreditou os procedimentos, os pesos e contrapesos da República. Esse movimento coloca as instituições diante de um enigma: como evitar que Bolsonaro destrua as instituições sem estimular, com isso, a adesão popular ao presidente?

Repreender exemplarmente Bolsonaro pode aumentar o ódio da parcela da população que o apoia. Deixá-lo falar abertamente contra as instituições democráticas pode levar descrédito a essas mesmas instituições. Mas o enigma de Bolsonaro subiu um degrau quando ele próprio, presidente do país, apoiou manifestações que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo. É um ponto-limite que exige uma resposta firme do Congresso.

Do ponto de vista institucional, a resposta mais adequada talvez seja o impeachment, como sugeriu o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel – ex-aliado do presidente, eleito graças ao poderio cibernético do clã Bolsonaro. O Congresso instauraria um processo de impedimento como resposta para mostrar que as instituições não tolerarão qualquer discurso e ação golpista por parte do Executivo.

Tal medida configuraria uma decisão acertada, que reafirmaria o equilíbrio de poderes: impedir que um eleito de perfil totalitário se torne um totalitário de fato. A medida transmitiria em alto e bom som ao país a mensagem de que as instituições de controle são mais fortes do que os arroubos ditatoriais do Executivo, e por conseguinte as instituições sairiam mais fortalecidas. Existe, inclusive, embasamento jurídico para fundamentar o pedido, segundo juristas. No entanto, do ponto de vista político, aos olhos dos simpatizantes do presidente, um pedido de impedimento confirmaria a tese de que o Congresso e o STF querem inviabilizar o seu governo. Consequentemente, esses seguidores se voltariam contra as instituições em definitivo, abrindo ainda mais espaço para a radicalização.

Uma alternativa, que evitaria a radicalização do movimento anti-Congresso e anti-STF, seria criticar publicamente essas posturas, sem tomar qualquer medida concreta contra as ações do presidente – caminho que, aparentemente, os líderes do Congresso decidiram seguir. Dessa maneira, a bandeira principal do séquito bolsonarista não encontraria fundamentação, e o discurso que teima na tese da perseguição ao presidente seria esvaziado. Entretanto, essa medida coloca as instituições numa postura passiva, contribuindo para a normalização do discurso antidemocrático.

O enigma, portanto, não pode ser esclarecido recorrendo às ferramentas clássicas da ciência política. É melhor analisá-lo à luz do ativismo digital. Confira na íntegra: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/uma-esfinge-na-presidencia/

 
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