Senado pauta projeto que desprotege meninas vítimas de estupro
Projeto obriga meninas estupradas a manter a gestação
15/10/2025 - 08:04 | Atualizada em 16/10/2025 - 15:58
Foto: Reprodução/TV Brasil
O Senado Federal pautou para esta quarta-feira (15) a discussão do Projeto de Lei nº 2.524/2024, de autoria do senador Magno Malta (PL/ES), que propõe reconhecer a “presunção absoluta de viabilidade fetal” a partir da 22ª semana de gestação.
O texto será analisado na Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pela senadora Damares Alves (Republicanos/DF), e preocupa organizações de defesa dos direitos humanos e da infância.
A campanha Criança Não é Mãe alerta, em nota técnica, que a proposta restringe o aborto legal e transforma o Estado em agente de reprodução da violência sexual e institucional, ao impedir o acesso ao procedimento mesmo em casos de estupro, direito previsto no Código Penal brasileiro desde 1940. Negar este procedimento às meninas, implica submetê-las a situação de tortura ou tratamento desumano e degradante. Essa restrição pode levar a situações de violência obstétrica e outras formas de opressão, reforçando assim as desigualdades de gênero existentes na sociedade, violando o princípio da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, caput e incisos I e II) e da saúde (art.6º, caput; art. 196).
“O PL 2.524/2024, na prática, obriga meninas e mulheres estupradas a manter gestações forçadas, configurando tortura física e psicológica. Muitas vítimas só chegam aos serviços de saúde após 22 semanas, porque demoram a compreender a violência sofrida ou a identificar a gravidez e enfrentam desinformação, o descrédito de sua palavra e exigências desnecessárias para acessar o serviço de saúde. Impedir o aborto nessas circunstâncias é condená-las à maternidade forçada, à perpetuação do trauma e ao risco de morte”, observa Carla Angelini, coordenadora colegiada da organização Católicas pelo Direito de Decidir.
A nota técnica também destaca que o PL viola compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Americana de Direitos Humanos, ao restringir o direito à saúde, à autonomia e à igualdade de meninas e mulheres.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, o Brasil registrou 87.545 casos de estupro e estupro de vulnerável em 2024, sendo 76,8% das vítimas menores de 14 anos, a maioria meninas negras. Entre 2014 e 2023, nasceram em média 57 bebês por dia de meninas entre 10 e 14 anos, mas apenas 828 meninas conseguiram acessar o aborto legal no período.
Já a Organização Mundial da Saúde afirma que complicações na gestação e no parto são a segunda causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. No Brasil, entre 2018 e 2023, uma menina entre 10 e 19 anos morreu por semana por complicações da gravidez.
“Negar o aborto a meninas vítimas de estupro é negar a proteção integral e a dignidade humana garantidas pela Constituição. O Estado não pode se omitir diante de uma violência e depois punir as vítimas com a maternidade forçada, e as consequências vão muito além desse momento: para muitas meninas, a imposição da maternidade representa uma ruptura profunda em seus projetos de vida, impedindo-as de trabalhar, estudar ou viver de acordo com seus valores, além de colocá-las em situações de vulnerabilidade econômica e social por não disporem de condições para sustentar um filho”, diz Rubia Abs da Cruz, coordenadora do Cladem Brasil.