31/10/2024 - 07:38 | Atualizada em 31/10/2024 - 07:48
Euler de França Belém
Por que o centro não tem chance de eleger um presidente da República — do estilo, digamos, Tancredo Neves e, até, Fernando Henrique Cardoso —, mas é considerado peça-chave da disputa eleitoral de 2026 para presidente da República?
O centro representa ao menos 20% (talvez mais) do espectro político do país? É possível. Na disputa para prefeito, este ano, muitos candidatos se apresentaram como “de direita” muito mais por questões eleitorais circunstanciais do que por convicção ideológica.
Durante vários anos, sobretudo depois do fim da ditadura e até 2018, ser de direita era semelhante a ser chamado de luciferino. Porém, o bolsonarismo ressuscitou a direita que, ao se tornar mais forte, adotou um discurso de extrema-direita, pressionando as instituições democráticas e ocupando as redes sociais para espalhar fake news contra os adversários e até mesmo aliados não radicais.
Então, o quadro real é este: a direita, dirigida — e não articulada, porque, a rigor, não há uma articulação apurada — por Jair Bolsonaro, do PL, e acólitos, como o operador Valdemar Costa Neto, e a esquerda, comandada por Lula da Silva, do PT, tem chance de eleger o presidente da República em 2026.
Entretanto, a direita e a esquerda sozinhas, sem o apoio do centro, terão dificuldades de eleger o sucessor de Lula da Silva.
O centro é o pêndulo da disputa de 2026. Quem conquistar a maioria do centro — e o centro é maior do que o centrão — pode levar a Presidência.
A direita bolsonarista, ao criticá-lo como vacilão ou isentão, atribui pouca importância ao centro. Fica-se com a impressão de que Bolsonaro e sua turma parecem acreditar que o centro caminhará ao seu lado por falta de alternativa. O que pode ser um grande engano. O PSD de Gilberto Kassab — de centro — poderá marchar com Lula da Silva. O bolsonarismo não para de fustigar o aliado de Tarcísio de Freitas em São Paulo.
A divisão das direitas é positiva para o PT
Acrescente-se que o bolsonarismo enfrenta outro problema grave, do ponto de vista político-eleitoral. A direita — é mais adequado dizer direitas — está dividida.
A direita dividiu-se, tornando-se direitas, porque o grupo de Bolsonaro é exclusivista e, por isso, não abre espaço para candidatos que, políticos consolidados, não são bolsonaristas.
Bolsonaro está sempre estocando políticos de direita que não são do seu grupo. Mesmo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é criticado por bolsonaristas. Porque não é radical — é de direita, mas não é de extrema-direita. Talvez seja de centro-direita, o que é imperdoável para o bolsonarismo.
Os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, e de Minas Gerais, Romeu Zema, do Novo, são de direita, mas não são bolsonaristas nem da extrema-direita. Por isso, não são inteiramente do agrado dos bolsonaristas — que, embora não sejam fascistas, ao menos não no estilo do italiano de Benito Mussolini, aproximam-se do fascismo (daí as células golpistas e as milícias digitais, altamente agressivas e, mesmo, violentas).
O bolsonarismo é um fenômeno do presente, mas não é moderno e não é democrático (aproveita-se das “facilidades” da democracia para acossá-la). Diz mais respeito a uma era pré-industrial, de um capitalismo retardatário que ainda não havia modificado valores e famílias. É, digamos, pré-Reforma Protestante, diria o sociólogo alemão Max Weber.
Que Bolsonaro tenha mesmerizado parte substancial da sociedade brasileira, mesmo sendo um político tosco — que não corresponde à modernidade global do país —, é um dos fenômenos mais intrigantes. Ele se tornou, por assim dizer, o meio de transmissão do ódio daqueles que não se sentem integrados pelo que consideram como “sistema oficial”.
Mesmo sem uma consciência ideológica sólida (é fragmentária), o bolsonarismo se tornou representante desta raiva que, ao contrário do que sugere o sociólogo Jessé Souza, não é substantiva apenas entre os mais pobres. Tal raiva é potencializada com mais energia nas classes médias e talvez esteja enraizada em indivíduos do setor de serviços e microempresários.
As classes médias — a rigor, não há uma classe média — não se sentem representadas pelos políticos do país, exceto em determinados períodos, como no governo de Getúlio Vargas e, possivelmente, nas gestões dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (ao menos na primeira, de 1995 a 1998).
Parte das classes médias, a que tem uma renda mais estável (eventualmente, incrustada no setor público), é mais progressista. Mas há uma parte que, sentindo-se desassistida, implica inclusive (talvez sobretudo) com os pobres, por considerá-los assistidos de maneira indevida (quem recebe bolsa família é considerado “preguiçoso”, avesso à meritocracia), e ataca os ricos. (Curiosamente, o bolsonarismo, apóstolo do mercado, representa mais os ricos do que os pobres.)
Ante o radicalismo do bolsonarismo, que promete (ou sugere) destruir tudo e começar do zero — no que parece muito com os comunistas, como Lênin e Stálin —, as classes médias, com o apoio de parte dos pobres, aderem como uma espécie de rebanho.
O bolsonarismo agrada porque, no seu radicalismo, contém aspectos mágicos e religiosos. Bolsonaro é visto como um Messias. Por isso é que, em várias cidades, candidatos a prefeito o procuraram como o “salvador”.
Porém, na direita civilizada, sabe-se quem é Bolsonaro. Não se trata de um político do progresso, e sim do regresso. É um dos mais atrasados do país. Não é um estadista — não teria condições de beijar os pés de Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. No entanto, circula por aí como a exigir que incautos beijem seus pés.
Mas, sobretudo porque o bolsonarismo está tentando transformar o PL numa milícia — mais do que num partido —, isolando-o, o candidato de Bolsonaro a presidente da República pode enfrentar sérias dificuldades em 2026.
Dependendo do nome escolhido, sobretudo se for alguém da família Bolsonaro, um nome da direita e da centro-direita, como Romeu Zema e Ronaldo Caiado, poderá surpreender.
Se a direita não bolsonarista conquistar o centro — e até um direitista como Pablo Marçal — poderá ganhar a Presidência, surpreendendo tanto Bolsonaro quanto Lula da Silva.
Lula da Silva é um político profissional
Não há dúvida de que as direitas são fortes, notadamente a direita bolsonarista. Mas precisam entender que não enfrentarão um amador. Lula da Silva é um profissional de primeira linha, talvez o mais importante político do país nesta quadra da história.
A economia está crescendo e o mundo capitalista internacional, ao investir maciçamente (frise: capitalistas globais nada têm de tolos), acredita no país. Porque o governo de Lula da Silva — ao contrário de Nicolás Maduro, na Venezuela — oferece segurança jurídica aos investidores.
Se o país vai bem, com bons resultados — inclusive com a redução da pobreza (uma preocupação genuína dos governos do PT) —, por que a popularidade de Lula da Silva não é altamente positiva?
Porque, se está acertando o país — corrigindo os abacaxis deixados por Bolsonaro —, Lula da Silva está perdendo a guerra da comunicação. Não é a economia que “diz” que o Brasil vai mal. É a direita, sobretudo a extrema-direita, que enfatiza isto em artigos de jornais e, em especial, nas redes sociais.
A esquerda costuma se manifestar com uma linguagem sofisticada, sem traduzir para o vulgo o discurso técnico. A direita, na comunicação, simplifica tudo e, como não está nada preocupada com a verdade, distorce informações e contribui para derrubar a imagem do governo.
Ao “perder” tempo em sugerir que o bolsonarismo é fascista, a esquerda, notadamente a petista, deixa de compreender o fenômeno. O PT, como as demais esquerdas, não tem um antídoto contra o bolsonarismo. Não sabe como enfrentá-lo, principalmente porque, com o bolsonarismo, não se entra nas trincheiras com luvas de pelica. O bolsonarismo usa luvas de aço e trata a política como um campo de batalha. Bate de maneira dolorida e não se preocupa com ética. A mensagem de sua comunicação é retrógrada — até passadista —, mas os meios para passá-la são modernos. Excetuando Pablo Marçal, ninguém usa tão bem as redes sociais, conseguindo contatar e convencer as pessoas, quanto as hostes bolsonaristas.
O bolsonarismo assustou-se com Pablo Marçal em São Paulo porque, se Ricardo Nunes e Guilherme Boulos estavam acuados — a surpresa foi Tábata Amaral, que bateu duramente na direita —, finalmente encontrou um adversário que usa as mesmas “armas” e com mais eficiência.
Entretanto, se não está vencendo a guerra da comunicação — talvez um ministro com uma mentalidade mais moderna deva ser nomeado (o atual é analógico até a raiz dos cabelos) —, Lula da Silva vem operando, na política, com alguma desenvoltura.
Astuto como poucos — tanto que derrotou o bolsonarismo com Bolsonaro na Presidência —, Lula da Silva está trabalhando para ampliar o apoio do centro, daí o fatiamento do governo (os moralistas devem entender que não há outra saída) entre setores do centro e mesmo da direita (o União Brasil tem três ministérios).
Lula da Silva está se aproximando, quiçá vagarosamente, dos evangélicos — tanto que o PL de Bolsonaro está preocupado com isto. Há uma direita evangélica que está mas não é necessariamente bolsonarista.
É evidente que uma raposa como Lula da Silva sabe que não vai conquistar todos os evangélicos para o seu lado na disputa de 2026. Não conquistará nem 50%. Mas, se atrair de 15% a 20%, será uma vitória.
Então, ao operar para atrair parte do centro e parte dos evangélicos, Lula da Silva está fazendo política. Pode não agradar os puristas — os habitantes do mundo da lua, os nefelibatas —, mas está operando para tentar enfraquecer e derrotar o bolsonarismo.
Há, por assim dizer, quatro “atores” em cena — a direita, a esquerda, o centro e a extrema-direita. Pode-se dizer que a extrema-direita — bolsonarista — é mais forte do que a direita. Esta tem sua força em determinados Estados e, dependendo do quadro político-eleitoral, poderá se aproximar do centro para se viabilizar e enfrentar tanto o bolsonarismo quanto o petismo. No caso de segundo turno, o bolsonarismo, que está criando arestas com a direita não bolsonarista, poderá enfrentar problemas incontornáveis quando tentar buscar apoio.
Por se considerar muito forte e popular, o bolsonarismo pode, ao subestimar Lula da Silva, perder pela segunda vez.
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