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MP defende investigação e julgamento de militares pelo Tribunal do Júri

20/05/2021 - 12:09 | Atualizada em 20/05/2021 - 15:01

ANA LUÍZA ANACHE

MP defende investigação e julgamento de militares pelo Tribunal do Júri

Foto: Reprodução

O painel “Da competência constitucional do Tribunal do Júri para processar e julgar crimes dolosos contra a vida e sua repercussão nas atribuições investigativas dos órgãos de Segurança Pública” marcou o encerramento do webinar “Das Competências e Atribuições Investigativas dos Órgãos de Segurança Pública”, na manhã desta quarta-feira (19). O promotor de Justiça Vinícius Gahyva Martins, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Júri e do Núcleo de Defesa da Vida do Ministério Público de Mato Grosso, defendeu que crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis não podem ser considerados crimes de natureza militar e devem ser julgados pelo Tribunal do Júri, na esteira de entendimentos dos Tribunais Superiores e da conformidade com a Constituição Federal.    

Conforme o promotor, a própria Lei nº 13.491/2017, que ampliou a competência da Justiça Militar, estabelece que os crimes, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civis, serão da competência do Tribunal do Júri. “Certo é que o Superior Tribunal de Justiça já tem entendimento consolidado no sentido de que não há como permitir que inquéritos policiais que versem sobre crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis continuem sendo conduzidos pela justiça castrense, porque não é dela a competência constitucional para processar e julgar a ação”, argumentou.    

 

O promotor explicou que sempre defendeu o princípio da universalidade das investigações, mas pelos instrumentos corretos e com controle por parte do MP e do Poder Judiciário, por meio de seus órgãos com competência em razão da matéria.


Segundo Vinícius Gahyva, ele falou “em nome dos defensores templários e pelegrinos devotos de uma causa nobre e santa que é a defesa da instituição do Tribunal do Júri”. O promotor fez um resgate histórico da criação do Júri no Brasil e detalhou todas as reformas sofridas com o advento das novas legislações, até chegar à Constituição de 1988. Defendeu que “a instituição do júri e sua conformação democrática não pode ser objeto de emenda constitucional, quanto mais de legislações infraconstitucionais que contrariem a Carta Magna e a Convencionalidade, que lhe retirem a substância do Tribunal do Júri enquanto instrumento, direito e garantia fundamental de democracia participativa”.   

O promotor ainda enalteceu o debate, a apresentação de teses e antiteses, e consignou que todos os presentes na verdade são escudos da defesa do interesse público, da democracia e da Constituição Federal. “Nossas armas são tão somente o diálogo, o respeito às divergências e as regras da lei”, considerou.   

Atuando como debatedor no painel, o juiz Marcos Faleiros da Silva, da 11ª Vara Criminal de Cuiabá (Justiça Militar), reconheceu a complexidade do tema e defendeu que a investigação de policiais militares seja feita pela Justiça Militar quando há morte em serviço, conforme estabelece o Código Penal Militar. O magistrado apontou que, conforme dados da Segurança Pública, em 2019, 5% do total de homicídios registrados em Mato Grosso tiveram a autoria de militares em serviço. Para ele, o índice é considerado pequeno perto de todo o universo de crimes dolosos contra a vida.  

O presidente da Comissão de Direito Penal e de Processo Penal da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Mato Groso (OAB-MT), Leonardo Luiz Nunes Bernazzolli, que também atuou como debatedor, afirmou concordar em partes com o promotor e com o juiz. Para ele, “a Polícia Militar tem atribuição investigativa e pode investigar crimes dolosos contra a vida dentro do que disciplina o Código Penal Militar, salvo o Tribunal do Júri”. Ou seja, pode investigar, mas não julgar, tendo que remeter os autos à vara competente. Ao classificar o tema como espinhoso, Leonardo Bernazzolli demonstrou preocupação com o princípio da segurança jurídica em razão do conflito de legislações.    

Direitos Humanos - O outro tema debatido no segundo dia do evento foi “Dos tratados e convenções internacionais e a jurisprudência da corte interamericana de direitos humanos”, com apresentação da promotora de Justiça Marcelle Rodrigues Faria, presidente da Associação dos Promotores do Tribunal do Júri (Confraria do Júri), e debates da juíza Ana Cristina Silva Mendes, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, e do advogado Wantuir Luiz Pereira, presidente Associação de Familiares Vítimas da Violência.    

Marcelle Faria falou sobre a Ordem Jurídica Brasileira, o status dos tratados de direitos humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo ela, todos os tratados internacionais de Direitos Humanos são superiores à legislação interna do país. “Há uma aplicação errada do ordenamento jurídico brasileiro. Todas as vezes que nós deixamos de aplicar um tratado alegando uma norma doméstica, estamos descumprindo inclusive a supralegalidade determinada pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou.   

A promotora explicou que o Brasil se comprometeu, por meio de decreto, que se submeteria à diretriz da Corte, garantindo a aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José). “Assim, quem vai dizer se houve ou não violação de Direitos Humanos é a Corte e não o STF. Quem vai determinar a forma e a aplicação dos Direitos Humanos dentro do Estado Brasileiro é a Corte”, garantiu. Ressaltou, ainda, que uma das condenações do Brasil na CIDH, no caso Nova Brasília, restou claro que o país é proibido de permitir que condutas contra os direitos humanos sejam investigadas pela instituição à qual pertence o autor da violação.

Para a juíza Ana Cristina Mendes, o Brasil peca por não cumprir em sua totalidade as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “O Brasil nunca foi punido por investigar, mas por se omitir, e ainda assim cumprimos de forma parcial essas sentenças. É muito triste observar que a questão dos Direitos Humanos no país é mitigada, justamente em razão de uma cultura e uma educação não voltada a esse objetivo”, ponderou.   

O webinar “Das Competências e Atribuições Investigativas dos Órgãos de Segurança Pública” foi realizado nos dias 18 e 19 de maio, com o objetivo de debater temas controvertidos para o Sistema de Justiça e as Forças de Segurança. O evento foi promovido pelo CAO-Júri e OAB-MT, com a participação da Secretaria de Estado de Segurança Pública, Poder Judiciário, Defensoria Pública e entidades acadêmicas, e apoio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) do MPMT. O seminário virtual teve como público-alvo membros do Ministério Público, da magistratura, da OAB, especialmente os que atuam perante o Tribunal do Júri e na área militar, e agentes da Sesp (Polícia Militar e Polícia Judiciária Civil).  


Assista aqui aos painéis do segundo dia.

 

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