30/08/2020 - 08:01 | Atualizada em 30/08/2020 - 08:06
Augusto Diniz
Se você leu o título da coluna e já soltou “mas era só tomar hidroxicloroquina que teria evitado todas essas mortes”, infelizmente preciso lhe informar que você foi enganado por Jair Messias Bolsonaro. Apesar de Messias no nome, o presidente da República não será tratado pela história nos anos após o fim de seu governo como uma figura messiânica e sempre correta por ser iluminado pela escolha divina.
Bolsonaro ficará marcado na latrina da história do Brasil na lista dos presidentes mais vergonhosos que o País já teve. Isso se não for considerado o pior dos chefes do Executivo eleitos pela população desde a redemocratização, com o fim da ditadura militar, em 1985. E o ponto que jogará o nome de Bolsonaro na lata de lixo será, sem qualquer dúvida, a condução, escolhida pelo presidente, da prevenção e combate à pandemia da Covid-19.
Neste final de semana, provavelmente ultrapassaremos as 120 mil vítimas da doença causada pelo vírus Sars-CoV-2, mais conhecido como novo coronavírus. O Brasil viu a China, os países europeus, principalmente a Itália, e os Estados Unidos serem atingidos de forma muito agressiva pela Covid-19. O total de infectados e mortos crescia assustadoramente. O que o governo federal resolveu fazer? Praticamente nada.
De largada, Bolsonaro decidiu tratar a doença como histeria da imprensa e da oposição. O presidente se prontificou a copiar o discurso do chefe do Executivo norte-americano, Donald Trump, e começou a falar em pânico criado na população por nada. Depois, passou a utilizar declarações de médicos e cientistas em entrevistas de janeiro, quando quase nada se sabia sobre o vírus e a doença que o Sars-CoV-2 causava, para afirmar que no máximo 800 brasileiros morreriam durante a pandemia da Covid-19.
Forçou o discurso para que empresários e trabalhadores pressionassem governadores e prefeitos a autorizarem a reabertura do comércio considerado não essencial durante a crise sanitária da Covid-19. Ao contrário do presidente, que disse ter histórico de atleta e chamou jornalistas de bundões, os casos e mortes se intensificaram cada vez mais. Nas cidades em que mais atividades nas ruas foram permitidas, os casos e mortes dispararam.
Pela primeira vez desde maio – bom reler para compreender bem que se passaram três meses desde então –, o Brasil passou a registrar menos de 1 mil mortes por Covid-19 diariamente. Isso mesmo, desde a semana passada, a média diária de mortes caiu para 970. Não é uma vida, não são dez, nem cem. São mais de 900 óbitos confirmados por dia na semana passada. Nem o histórico de atleta salvou muito jovem do caixão.
Os historiadores vão olhar para os bilhões liberados pelo Congresso Nacional para aplicar na saúde como recurso extra de combate à pandemia e verificarão nos documentos e registros quanto foi gasto, onde e como. Perceberão o que o Ministério da Saúde, responsável por definir como o País atuaria para conter o avanço da doença, realizou em todas as fases da pandemia.
Ao fazer isso, a história evidenciará e estampará nos livros escolares, nas aulas do ensino fundamental, médio e superior como Bolsonaro teve coragem de demitir um ministro e forçar a saída de outro, os dois médicos, por não concordarem em modificar a bula de um medicamente eficaz no tratamento de malária, lúpus e artrite reumatoide – comprovadamente ineficaz em pacientes com Covid-19.
Os livros de história registrarão que o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, era um militar da ativa do Exército que nada entendia sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e, mesmo assim, completou mais de 109 dias como interino, todos durante a pandemia. A popularidade de um presidente autoritário e agressivo com aqueles que não rezam pela sua cartilha pode até estar hoje em alta, com ajuda do auxílio emergencial que Bolsonaro antes não se importava, mas a entrega de kits de testagem da população sem os reagentes necessários ajudará a sujar o nome de quem se diz defensor da verdade às claras – mesmo que a verdade de Bolsonaro seja quase sempre uma grande mentira.
Com mais de 119 mil mortes confirmadas no Brasil por Covid-19 desde 12 de março, o ministro interino da Saúde fala publicamente que o Brasil é exemplo no combate ao Sars-CoV-2. O general Pazuello, interino permanente da Saúde, teve a coragem de dar a seguinte declaração na segunda-feira, 24: “Nosso trabalho será reconhecido como a grande resposta à pandemia no mundo”. Vocês leram certo. Foi isso o que o militar que comanda interinamente há mais de cem dias o Ministério da Saúde afirmou quando o País havia superado as 115 mil mortes pela doença.
O mesmo Ministério da Saúde que, durante a pandemia, perdeu dois médicos e foi tomado por militares da ativa e da reserva nos cargos do primeiro escalão, registrava 14.817 vítimas da Covid-19 e 218.223 casos confirmados do novo coronavírus no dia 15 de maio. A data marca o dia em que o então ministro, o oncologista Nelson Teich, se cansou de ser tutelado por um governo que queria por tudo liberar hidroxicloroquina para qualquer pessoa como tratamento preventivo – o que aumentava o risco de efeitos colaterais, como morte de pacientes por arritmia cardíaca – e pediu demissão. Naquele dia veio a promoção de Pazuello de secretário-executivo a ministro interino.
Até a tarde de sexta-feira, 28, a condução exitosa de Pazuello e Bolsonaro contava 118.988 mortes e 3.772.945 casos confirmados da doença no Brasil. Pelo saldo da gestão interina do militar, auxiliado por um presidente que chamava a Covid-19 de “gripezinha” e “resfriadinho”, 3.554.722 pessoas foram infectadas pelo Sars-CoV-2 e 104.171 morreram desde 15 de maio. Os números de doentes e vítimas não mancham só a gestão Boslonaro, mas a farda dos militares, que toparam fazer parte de uma gestão vergonhosa em troca de benefícios na carreira e cargos.
Aqui cabe o levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou mais de 6 mil militares da ativa e da reserva em cargos na gestão Bolsonaro. Se os militares apoiaram o projeto de poder do presidente em troca de passar a limpo a imagem de péssimos gestores que ficou com o fim da ditadura militar em 1985, será complicado imaginar que consigam se livrar do olhar escrutinador e necessário da história para o que foi, até aqui, o governo Bolsonaro.
O futuro eleitoral de Bolsonaro está aberto para ser construído com seus erros, acertos e oportunidades de acordo com o momento da opinião pública. Mas a análise histórica será impiedosa com a tragédia causada pela negligência e gestão criminosa do governo durante a pandemia. A história será implacável com Bolsonaro, que será colocado em seu devido lugar: na lata de lixo.
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