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Bolsonaro extrapolou poder da caneta ou STF atropelou atribuição do Planalto?

03/05/2020 - 07:32 | Atualizada em 03/05/2020 - 07:35

Augusto Diniz

O assunto parece superado se considerarmos que o governo federal anulou o ato da nomeação do delegado Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao cargo de diretor-geral da Polícia Federal (PF) na tarde de quarta-feira, 29. A decisão veio depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, conceder liminar ao PDT e anular a nomeação de Ramagem por desvio de finalidade e por ferir os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.

Contou também contra a nomeação de Ramagem, que tomaria posse às 15 horas de quarta-feira, a decisão do ministro Celso de Mello, do STF, na noite de segunda-feira, 27, que determinou a abertura de inquérito, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Augusto Aras (PGR) pediu que as declarações de Moro sobre suposta tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em investigações da PF sejam alvo de inquérito por denunciação caluniosa.

Entres a lista de investigados pela Polícia Federal está o segundo filho do presidente, conhecido como “02”, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), alvo de inquérito que apura fake news contra o STF. O relator do caso no Supremo é o ministro Alexandre de Morais. Celso de Mello não só acatou o pedido do procurador-geral da República como determinou a investigação da possível ocorrência de crime contra a honra, falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, denunciação caluniosa e corrupção passiva privilegiada.

Sem desistência

Ao empossar o novo ministro da Justiça e da Segurança Pública, André Luiz Mendonça, que deixou o cargo de advogado-geral da União para substituir o ex-juiz Sergio Moro na pasta, Bolsonaro deixou claro que não pretende desistir de ter seu ex-chefe de segurança na campanha e amigo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) no posto de diretor-geral da Polícia Federal. “Eu gostaria de honrá-lo [Ramagem] no dia de hoje dando posse como diretor da PF. Tenho certeza que esse sonho meu, mas dele, brevemente se concretizará, para o bem da PF e do Brasil.”

O discurso do presidente evidenciou a contrariedade ao ter de acatar a liminar de Alexandre de Morais de horas antes. “Uma das questões importantes, que quem nomeia sou eu: a nossa PF não persegue ninguém, exceto bandidos. Respeito o Poder Judiciário, mas antes de tudo respeitamos a nossa Constituição. O Ramagem foi impedido por uma decisão monocrática de um ministro do STF”, reclamou Bolsonaro.

Decisão polêmica

Se Bolsonaro tentou defender, em seu discurso, que a Constituição – que o presidente tanto destratou nos atos com gritos e cartazes em apoio à volta do AI-5 e pedidos de intervenção militar nos dias 15 de março e 19 de abril – lhe garante o poder de nomear diretor-geral da Polícia Federal, os juristas se dividem sobre a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem por um ministro do STF com base no princípio da impessoalidade e na ocorrência de desvio de finalidade.

A coluna conversou com juristas e operadores do Direito Constitucional e Criminal para tentar entender o tamanho da interrogação que existe sobre o tema. Um dos profissionais defende que não resta dúvida: houve claro desvio de finalidade ao ignorar o princípio da impessoalidade pelo presidente Jair Bolsonaro, que evidenciou na sexta-feira, 24, que pretende interferir em investigações da Polícia Federal com a nomeação de Ramagem para substituir Maurício Valeixo como diretor-geral da corporação.

Mesmo ao defender que está mais do que comprovada a interferência de Bolsonaro na PF com a nomeação de Ramagem, o profissional se mostrou preocupado com uma tendência de se tornar uma decisão comum na rotina do Supremo anular nomeações para cargos no Executivo. O risco levantado pelo jurista é o de que o Poder Judiciário comece a naturalizar a atuação sobre as prerrogativas do Executivo.

Lula na Casa Civil

Vale lembrar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o primeiro a ter a nomeação para ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Dilma Rousseff (PT). O ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu a nomeação de Lula em 18 de março de 2016, um dia depois da posse, a pedido do PSDB e do PPS. Mendes entendeu que havia tentativa de fraudar as investigações contra o ex-presidente.

O processo só foi levado a plenário em 22 de março de 2019. Sete dias depois, a decisão virtual, por nove votos a zero, determinou o arquivamento do caso porque o pedido estava “prejudicado”. Não só o governo Dilma já tinha acabado em impeachment, como a gestão Michel Temer (MDB) havia chegado ao fim e Jair Bolsonaro estava à frente do Palácio do Planalto há três meses.

A tentativa de impedir a posse de um ministro voltou ao STF quando Temer nomeou Moreira Franco para o cargo de ministro da Secretaria Geral da Presidência da República. O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, negou liminar à Redes Sustentabilidade e ao PSOL, que pediram a derrubada dos efeitos do decreto de nomeação por tentativa de garantir foro privilegiado ao ex-governador do Rio, em 14 de fevereiro de 2017.

Investigado pela Lava Jato

Moreira Franco era investigado pela Operação Lava Jato. O caso só foi definido por dez a zero pelo plenário do Supremo no dia 27 de março de 2019, quando a corte entendeu que o status de ministro era inconstitucional porque o governo editou duas medidas provisórias com o mesmo assunto em um só ano. Ao contrário do caso Lula, o STF definiu que cabe ao presidente da República nomear os ocupantes dos cargos no Executivo, desde que observados os requisitos legais.

Em 22 de janeiro de 2018, foi a vez de a ministra Cármen Lúcia anular a nomeação da então deputada federal Cristiane Brasil (PTB) como ministra do Trabalho no governo Temer. Cármen Lúcia, que era a presidente do STF, anulou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia autorizado dois dias antes a posse da filha de Roberto Jefferson no cargo. A posse estava marcada para as 9 horas da data da decisão de Cármen Lúcia. Depois de muito tentar contornar a decisão, o PTB desistiu em 20 de fevereiro de 2018 da indicação de Cristiane Brasil. Três dias depois, o governo anulou a nomeação no Diário Oficial da União.

Interferência indevida

Para dois juristas consultados pela coluna, não há prova material de que os princípios da impessoalidade, da moralidade ou do interesse público tenham sido feridos pela nomeação de Alexandre Ramagem para diretor-geral da PF. Um dos profissionais ouvidos destacou que “a análise das normas constitucionais leva em consideração princípios cuja interpretação é mais aberta e subjetiva”. “As decisões das cortes constitucionais têm alto conteúdo político.”

Os três juristas – dois discordam da liminar concedida por Alexandre de Moraes contra a nomeação de Ramagem – concordam que a definição do nome do diretor-geral da Polícia Federal é uma atribuição do Executivo. Cabe ao presidente da República escolher quem serão seus auxiliares. Um dos profissionais afirma que Bolsonaro “conversa muito”, mas que não há sinais de evidente interferência na PF no ato da nomeação do delegado que chefia a Abin.

Para os profissionais contrários à anulação da nomeação, seria preciso antes que ficasse constatado o desvio de finalidade ou o descumprimento do princípio da impessoalidade com provas das acusações de Sergio Moro contra Bolsonaro na investigação autorizada por Celso de Mello. Os dois entendem que, até o momento, nada foi comprovado, são declarações tratadas como suspeitas no inquérito.

Luta por Ramagem

Como deixou claro o presidente da República, o caso Ramagem, por mais que tenha sido engavetado após a decisão de Alexandre de Moraes, pode voltar a ser discutido. A dúvida é se a vontade de Bolsonaro conseguirá quebrar a união dos ministros do STF contra qualquer ameaça à democracia e o funcionamento das instituições. Ainda mais depois das cenas do 19 de abril.

 

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