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'Novo Código Penal tem falhas'

05/10/2012 - 14:35

JOANA NEITSCH

 Depois de passar pelo Ministério Público, pelo Judiciário, e pela advocacia, Luiz Flávio Gomes não hesita em responder que o mais gostou de fazer no Direito foi ser juiz. Ele considera que a função é a mais compatível com suas ideias humanistas. Mas foi após se aposentar da magistratura que ele criou a marca que o tornou conhecido em todo país. Dono de um dos maiores cursinhos preparatórios para concurso do Brasil, Gomes tem a fala agitada, organiza as ideias em tópicos durante a entrevista, como se estivesse em um aulão de véspera.

 

O senhor fez parte da comissão do novo Código Penal. Como foi este trabalho?

Nós trabalhamos sete meses e demos uma revisada em toda a legislação. Estamos propondo revogar 107 leis penais do Brasil, concentrando tudo em um único código. Os senadores estão analisando, tem prazo para emendas até o dia cinco de outubro [hoje]. Tem muitas críticas interessantes, muito boas. O senador Pedro Taques hoje é o relator e está recebendo estas críticas todas, já acolheu várias delas. O projeto precisa de muitos ajustes, o trabalho foi feito muito às pressas.

O que seria a modalidade de culpa gravíssima, que está sendo criada no novo Código?

Foi até uma proposta minha que foi acolhida pela comissão. Hoje, quando se mata alguém no trânsito – e se você quiser, lembre-se do acidente aqui de Curitiba, o mais famoso do Brasil –, isto é culpa ou dolo? Se for culpa, hoje a punição é de dois a quatro anos. Se for dolo, é de seis a 20 anos, isto se for homicídio simples. Como muita gente hoje acredita que a pena é baixa, existe uma tendência dos delegados e do Ministério Público de colocar como dolo. E aí, leva para o júri e alguns estão sendo condenados. Mas isso é muito complexo e confuso. Se você está acompanhando o caso aqui do Paraná você deve estar vendo o quanto complexo foi até agora. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) mandou para o júri, mas a defesa recorreu. Hoje, o processo está em Brasília e a confusão continua. Para evitar esta confusão nós propusemos uma figura intermediária entre a culpa e o dolo eventual, a culpa gravíssima, com pena de quatro a oito anos.

É só para o trânsito que ela se aplica?

Não. Mas, sobretudo, é o trânsito que vai pegar. O que é essa tal de culpa gravíssima? É, por exemplo, matar embriagado, que é muito mais grave. Matar em um racha é muito mais grave do que matar normalmente no trânsito. Isto é culpa gravíssima. Nós achamos que é uma questão de proporcionalidade, de razoabilidade. Mas, de qualquer maneira, o nosso código é de 1940, precisa ser atualizado. Por exemplo, crime cibernético, não tem, está indo para o novo Código. Terrorismo não existe, nós estamos propondo. Organização criminosa, nós não temos esse crime, nós estamos propondo. Há uma série de lacunas, que nós estamos preenchendo. Outras coisas absurdas em termos de pena, por exemplo, falsificação de esmalte. Hoje, no Brasil, falsificar esmalte dá uma pena de dez anos, no mínimo. Isto é um absurdo. Outras situações são de penas muito baixas, por exemplo, abuso de autoridade, uma lei feita na época da ditadura militar, tem pena máxima de seis meses. Tem penas que aumentamos, outras diminuímos e, sobretudo, cortamos. De 1.500 condutas criminalizadas hoje, cortamos para cerca de 800. E estamos propondo, ainda, revogar 107 leis penais.

Mas ao revogar estas leis, as condutas não ficam sem punição?

Já eram ultrapassadas, não se justificam. Muitas viram infrações administrativas, mas muitas não têm sentido nenhum, viram nada.

Poderia citar algum exemplo?

Jogo do bicho, jogos em geral, o ato de apostar não pode ser nada, porque você joga com o teu dinheiro. O que o Estado tem a ver com o teu dinheiro? O coitado que recebe a aposta não tem nada a ver. Então, tudo isso está fora, salvo o explorador do jogo, que é o único que ganha dinheiro e não paga impostos. O resto está tudo fora, acabou, não tem sentido nenhum. Por exemplo, nós temos hoje 84 crimes eleitorais no Brasil e ficaram 16. O resto é tudo coisas bobas, como fazer panfleto em boca de urna, isso é uma coisa administrativa, resolve na hora. Por que ser crime um negócio desses? Então, cortamos muita coisa. Este é o ponto mais positivo, mais alto da comissão. Agora, tem falhas de redação [no projeto], tem umas coisas absurdas.

Não há algumas questões no projeto que, na realidade, dizem respeito ao processo penal, como a questão da barganha?

Para barganha, o argumento utilizado pela crítica é falho: “não pode colocar no Código Penal matéria de processo”. Ação penal que está lá hoje no Código Penal é matéria de processo. Por que não pode? É melhor ir para o ponto logo: concorda ou discorda? Eu, particularmente, concordo. Depois que a denúncia já foi recebida, abre-se a oportunidade para barganha. Se a acusação e a defesa fizerem isto, ok. Outra coisa, muita gente critica sem conhecer. Quem já trabalhou no júri como eu, que presidi 300 júris, [sabe] que é tudo acordo, é uma barganha atrás da outra. Então, já existe barganha na prática. Criticar um instituto que já funciona significa ignorar a prática.

O senhor se dedicou a conseguir ingressar na magistratura. Quando se aposentou, tinha o desejo de voltar para a advocacia?

Eu completei o tempo de serviço, me aposentei com 41 anos de idade. Depois passei pela advocacia dois anos, só para ver a experiência da advocacia e não curti muito, sei que ia ganhar dinheiro e tudo, mas não curti.

Entre todas as áreas de atuação pelas quais o senhor passou, por qual tem preferência?

Magistratura, é indiscutível. O ato de decidir é extraordinariamente importante para a vida das pessoas. Eu me identifiquei mais com a magistratura por razões de personalidade e também pela minha formação bastante humanista. Na magistratura, eu pude concretizar muitas das coisas humanistas que eu prego. Ser juiz foi a função mais legal.

E a ideia do cursinho preparatório para concursos, o senhor esperava que teria essa projeção?

Estamos com 90 mil alunos de todo Brasil. Eu tive a ideia em 2000, quando estava aposentado. Em 2001 e 2002, eu preparei tudo e em 2003 começamos. Eu não tinha a expectativa de ganhar essa dimensão enorme, mas sabia que ia ser um sucesso, porque as pessoas não tinham mais condições econômicas de ir para São Paulo ou para outras capitais. Tínhamos de levar a mesma informação para elas, em tempo real, sem distingui-las, nem discriminá-las. E aí o modelo foi perfeito, adoraram, rompemos o tabu do telão.

Fora o Direito, a que mais o senhor gosta de se dedicar?

Tocar bateria, eu sou baterista há muitos anos. Eu tive banda durante cinco anos. Eu já toquei bateria com o sexteto, quando fui ao Programa do Jô. Este é o meu lado B.

 

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