Quarta-feira, 24 de abril de 2024
informe o texto

Notícias | Jurídico

Medidas cautelares em juízo arbitral: retrocesso ou necessidade?

05/10/2012 - 10:00

Tarcísio Araújo Kroetz

 Os festejos pelos 15 anos de aplicação da Lei 9.307 (Lei de Arbitragem) no Brasil devem-se, em muito, ao papel que o Poder Judiciário exerceu na consolidação da arbitragem como meio de resolução de controvérsias. O teste crucial para a aplicação do instituto foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que confirmou os efeitos de decisão judicial à sentença arbitral (SE 5206). Desde então, prescinde-se de homologação pelo Poder Judiciário a sentença proferida em arbitragem nacional.

Mas a maturidade da aplicação da Lei de Arbitragem requer a consolidação da harmônica integração entre as funções do árbitro e do juiz estatal. Ora, se é bem verdade que na maioria das vezes o juízo arbitral dispensa qualquer intervenção judicial, a segurança jurídica da relação entre as competências arbitral e judicial é sustentada pelo reconhecimento dos limites da arbitragem pelo Poder Judiciário.

Em especial, a conexão entre arbitragem e jurisdição ocorre diante da necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, que, nos termos da Lei de Arbitragem, podem, quando necessário, ser solicitadas pelo árbitro ao juiz que seria originalmente competente.

Mas quais seriam os limites para tal possibilidade?

Processualista celebrado, Miguel Ángel Fernández-Ballesteros, professor catedrático da Universidade Computense de Madrid, adota posição contrária à prostração da arbitragem, inclusive em razão das tutelas de urgência. Para ele, a “americanização” dos procedimentos traz a herança maldita da experiência dos litigators da common Law que, no afã de impedir o julgamento pelo júri popular, servem-se de todos os expedientes para inibir uma solução definitiva.

Em recente julgamento do REsp 1.297.974/RJ, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão que delimitou as fronteiras entre juízo arbitral e o juízo estatal nas medidas cautelares.

Da leitura do acórdão depreendem-se certas assertivas: (i) o árbitro é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes; (ii) na pendência ou impossibilidade de constituição da arbitragem as partes podem socorrer-se do Poder Judiciário para assegurar o resultado útil da arbitragem; (iii) o árbitro tem competência para revisar as decisões judiciais cautelares anteriores à sua constituição; e (iv) o árbitro não tem poderes coercitivos, de forma que, se necessário, deverá socorrer-se do Poder Judiciário para execução de decisões no procedimento arbitral.

Destas assertivas inferem-se algumas conclusões: (i) o Poder Judiciário não interfere na competência do árbitro, ainda que uma das partes necessite de medida cautelar; (ii) a convenção arbitral, quando vincula as partes a regulamento que preveja a competência de árbitro de urgência, derroga a competência estatal para providências cautelares; (iii) as medidas cautelares proferidas pelo árbitro não estão adstritas aos termos do Código de Processo Civil (CPC); e (iv) pela mesma linha de raciocínio, pode dizer-se que os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa também devem ser submetidos ao árbitro, despojados da rigidez do CPC.

Essas conclusões podem gerar certas questões em contratos comerciais em que as partes tenham optado pela arbitragem.

Tome-se em consideração, por exemplo, o caso em que o credor de uma obrigação se recusa a recebê-la. Uma das alternativas para o devedor seria a propositura de ação de consignação em pagamento com procedimento especial previsto no CPC. Nessa situação, diante da convenção arbitral, deveria a parte iniciar a arbitragem ou propor ação judicial? A jurisprudência portuguesa, por exemplo, não admite a arbitragem para consignação em pagamento, pois este seria “um daqueles casos em que Estado não abdicou ou admitiu ceder o seu poder jurisdicional, e que por isso se encontra excluído da competência dos tribunais arbitrais” (RP200902030823701).

Tal entendimento alienígena, contudo, não parece consonante com o Direito pátrio de incompetência absoluta do Poder Judiciário diante da convenção arbitral, ressalvadas as hipóteses legais.

Pois, se o árbitro é competente para dirimir todos os conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis entre as partes, é competente para analisar matérias cujo processamento se dá, na justiça estatal, por procedimento especial, inclusive a consignação, que é modalidade de pagamento prevista no Código Civil (CC).

Nesse ponto, deve dar-se especial atenção aos regulamentos arbitrais que possibilitam às partes a indicação de árbitros de urgência para resolver questões pré-arbitrais. Algumas câmaras arbitrais incluem tal possibilidade em seus regulamentos. É o caso do recente regulamento da Câmara de Comércio Internacional (CCI), bem como da International Center for Dispute Resolution (ICDR).

Percebe-se, dos exemplos, que a previsão do árbitro de urgência em regulamentos arbitrais está se tornando, com o crivo jurisprudencial, mais um instrumento de consolidação da arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos no Brasil, sem necessidade de alteração da lei.

 

Informe seu email e receba notícias!

Sitevip Internet