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Está na hora de acabar com esse 'quando um não quer, 11 não decidem'

13/04/2018 - 18:48 | Atualizada em 13/04/2018 - 18:52

Pedro Corrêa Canellas

Em artigo publicado[1] em 28 de janeiro, o professor Conrado Hübner Mendes fez duras críticas a algumas práticas do STF que agridem a democracia constitucional. Esta breve análise será sobre a chamada obstrução de julgamento, ou melhor, a máxima de que, “quando um não quer, 11 não decidem”.

Segundo o professor Hübner, “a síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo”[2].

Existe uma lacuna regimental no Supremo Tribunal Federal que permite a cada ministro, isoladamente, decidir o que vai julgar e quando vai julgar. A previsibilidade de um julgamento só começa a ficar pública quando o ministro libera o processo para ser pautado pela Presidência do Tribunal. Até aqui, tudo se desenvolve de acordo com a vontade das 11 ilhas que formam o supremo arquipélago.

Lacuna também há quanto ao controle administrativo, haja vista a impossibilidade de o Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle administrativo do Poder Judiciário, exercer suas funções[3] sobre o Supremo.

A crítica do professor Hübner é extremamente pertinente, especialmente se estivermos a tratar de matéria eleitoral. Os processos dessa natureza sofrem uma influência ímpar de um implacável ator: o tempo.

Por meio de eleições, conquistam-se mandatos eletivos. Não raras vezes, o processo eleitoral é judicializado por envolver ausência de condições de elegibilidade ou causas de inelegibilidades que acometem os escolhidos pelo povo e tem como julgador último o Supremo Tribunal Federal, por envolver matéria constitucional. Eis o ponto onde muitas vezes o tempo é quem decide o processo antes mesmo de o STF o julgar.

Não raras vezes, candidatos manifestamente inelegíveis tomam posse nos cargos para os quais foram eleitos, por via de decisões individuais cautelares dos ministros, até que sobrevenha o julgamento final do recurso perante o colegiado. E aqui está o ponto nodal: esse recurso só vai ser liberado para julgamento quando e se o ministro relator quiser.

Já o tempo, não; este não se suspende e continua a correr. Junto com ele, o mandato eletivo (constitucionalmente ilegítimo) vai sendo exercido por pessoas que sabidamente inelegíveis desde o início contavam com a morosidade e as informais obstruções do STF para concluir os seus mandatos.

Concluído o mandato, o recurso não é julgado por perda superveniente do objeto. Ou seja, o candidato estava inelegível, mas, como o recurso pendia de julgamento no STF, o candidato permaneceu no cargo até o julgamento. O julgamento nunca ocorreu. O mandato acabou.

Estão jogando com a suprema morosidade.

Para não parecer que a crítica é infundada, traz-se à colação o caso da eleição de 2016 do município de Iguaba Grande (RJ). Esse caso está tramitando no STF através do Recurso Extraordinário 1.028.577[4].

O caso se trata do registro de candidatura da atual prefeita, que foi indeferido em 1ª instância, indeferido em 2ª instância e, por unanimidade, no dia 24/11/2016, indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (REspe 111-30[5]) sob fundamento de que estava configurada a inelegibilidade constitucional de proibição ao terceiro mandato familiar consecutivo.

O indeferimento em todas as instâncias baseou-se da sedimentada jurisprudência do STF que veda o exercício de três mandatos consecutivos pela mesma família.

No dia 19/12/2016, no apagar das luzes do último dia antes do recesso forense, o ministro relator, Ricardo Lewandowski, defere monocraticamente a liminar na Ação Cautelar 6.450[6] e possibilita a diplomação e posse da prefeita no cargo.

Até o presente momento, não foi julgado o recurso de agravo regimental contra essa decisão que deferiu a liminar e muito menos o recurso extraordinário.

Não há previsibilidade de quando serão julgados. Fica única e exclusivamente a cargo do ministro relator decidir quando será julgado.

Ao fim e ao cabo, fica a cargo do ministro relator decidir se um processo que trate de matéria eleitoral será julgado ou não.

No último dia 10, o ministro Ricardo Lewandowski, em artigo republicado pela ConJur[7], asseverou: “A crescente imprevisibilidade das decisões proferidas por juízes e tribunais vem alimentando uma visível descrença no Poder Judiciário”.

Impecável observação.


[1] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/01/1953534-em-espiral-de-autodegradacao-stf-virou-poder-tensionador-diz-professor.shtml, acessado em 11/4/2018.
[2] Idem.
[3] “Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do STF. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional” (ADI 3.367, rel. min. Cezar Peluso, j. 13/4/2005, P, DJ de 22/9/2006).
[4] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5138634, acessado em 11/4/2018.
[5] Disponível em: http://inter03.tse.jus.br/sadpPush/ExibirDadosProcesso.do?nprot=128962016&comboTribunal=tse, acessado em 11/4/2018.
[6] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5112141, acessado em 11/4/2018.
[7] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-10/lewandowski-chegou-hora-acabar-relativizacao-juridica, acessado em 11/4/2018.

Pedro Corrêa Canellas é professor de Direito Constitucional e Direito Eleitoral, advogado, pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral e pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal. Membro efetivo da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

 

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