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Desvio de R$ 73 milhões no BB para mensaleiros

05/08/2012 - 11:18

A. C. Scartezini

Apesar do entusiasmo renovado no PT com a disposição do ministro José Antonio Dias Tof­foli em participar do julgamento do mensalão, os governistas do Supremo Tribunal Federal terão dificuldade em demolir a acusação aos mensaleiros apresentada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que demonstra, por exemplo, a entrega ao grupo do ex-ministro José Dirceu de R$ 9,6 milhões em dinheiro vivo entre fevereiro e março de 2004 para a compra de apoio parlamentar ao governo Lula.

Os autos distribuídos por Gurgel aos ministros do Supremo comprovam — “documentadamente”, segundo o autor — a distribuição, sempre em moeda corrente, de somas fantásticas a pessoas indicadas por Dirceu no comando do PT. Dinheiro entregue pelo Banco Rural por encomenda das agências de publicidade de Marcos Valério, que recolhia a grana milionária no seio do governo federal.

“Dirceu foi o mentor, Valério o executor”, comunicam os papéis de Valério aos ministros. Os papéis falam em desvio de R$ 73 milhões no Banco do Brasil. Entrega de R$ 32 milhões ao PT para a compra de aliados. O falecido deputado paranaense José Janene recebeu R$ 2 milhões em nome do PP”. Antes de morrer de um AVC há dois anos, Janene informou que as reuniões eram no Palácio do Planalto”. Reuniões para compra e venda de votos. Ao PT, foram entregues R$ 32 milhões.

A acusação de Gurgel impressiona não apenas pelas cifras, mas também pelas datas das movimentações financeiras. Antes de tal votação foram depositados tantos reais e em seguidas outros tantos. Depois das votações, foram depositados e distribuídos mais tantos. As votações com mais destaque no Congresso foram as das reformas tributária e da previdência, com a lei de falências.

A solução ao PT será esticar o julgamento para se esquecer

Os papéis do procurador Gur­gel reúnem recibo de aluguel de carros-fortes para transportar a grana em moeda corrente. Em Brasília, os carros acompanhavam o saque do dinheiro no banco e a entrega às agências de publicidade de Valério no Edifício da Con­fe­deração do Comércio, no centro comercial da cidade. Sempre há o nome de quem recebia o dinheiro e depois o entregava. Uma das entregas chegou a R$ 650 mil.

Por mais bravura que Toffoli tenha para abrir o peito em defesa do PT no Supremo, o melhor para o partido será esticar o julgamento de modo que o tempo amorteça as denúncias da procuradoria. Mais tempo, inclusive, para que os advogados dos 38 mensaleiros pos­sam repensar as acusações e se recomporem. Os ministros simpáticos do tribunal também teriam tempo para assimilar o impacto dos papéis.

“Valério se tornou homem de absoluta confiança de José Dir­ceu”, informou a acusação que o publicitário era convocado ao Pla­nalto para participar de reuniões políticas que discutiam a realização de acordos para ampliar a base de sustentação parlamentar, atrair aliados. Tornou-se tão influente que intermediava interesses de empresas junto ao governo. Oito vezes participou de reuniões no Banco Central em nome do Banco Rural.

Ia ao Banco Central por encomenda da presidente do Banco Ru­ral, a mensaleira Kátia Rabello, a quem a acusação atingiu fundo. A grana do PT saía do Rural. “A es­trutura empresarial montada por Valério era de fachada para en­cobrir o mensalão”, denunciou Gur­gel. Zé Dirceu sabia de tudo isso, acompanhava as evoluções do publicitário. “Dirceu está rigorosamente em todas”, constatou o procurador.

A esperança de um casuísmo especial para Zé Dirceu

A decisão de Toffoli de a­com­­panhar o mensalão, revelada no começo da semana, detonou em seguida dois efeitos colaterais que animaram a confiança do PT quanto a um bom resultado para os seus mensaleiros na apreciação final do caso pelo Supremo, o que inclui a absolvição de Zé Dirceu, denunciado como chefe da compra de apoio ao governo Lula.

Animado com absolvição via Toffoli, Zé Dirceu planejou o futuro político. Confia na reabilitação eleitoral com a aprovação pelo PT e aliados de um projeto no Congresso que lhe devolva os direitos políticos, suspensos até 2015 quando foi cassado pela Câmara em dezembro de 2005 por causa de sua participação no mensalão. Ele deseja a devolução mais cedo, a tempo de disputar alguma eleição em 2014.

A volta seria em grande estilo na concepção do modelo sonhado pelo Zé — ele que gosta de pensar grande para si. Tramita pela Câ­mara um projeto que reabilita os três deputados cassados em 2005 por envolvimento com o mensalão. Além de Dirceu, é o caso do pernambucano Pedro Corrêa (PP) e do fluminense Ro­berto Jefferson (PTB), autor da denúncia do mensalão.

Mas Dirceu deseja algo mais nobre do que aquele projeto apresentado pelo ex-deputado Ernandes Amorim, do PP lá de Roraima. Mais nobre a começar pela autoria. Tem mais, que o projeto seja para a reabilitação de José Dirceu Oliveira e Silva e mais ninguém, a tempo de pegar a eleição daqui a dois anos, quando escolheria uma opção entre disputar a Presidência, o governo paulista, o Senado, a Câmara ou a Assembleia.

O outro efeito colateral prestigiou Lula

O segundo produto imediato da animação causada ao PT por Toffoli foi a preparação de mais uma das homenagens articuladas para saudar o ex-presidente Lula pelo avanço na recuperação depois do câncer. Veio de empresários de biodiesel e bioquerosene, beneficiados pelo governo do ex em 2004 com o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. Mais reconhecimento, porém com um toque simbólico.

O toque especial estava na data, a mesma quinta-feira em que o Supremo começou a julgar os men­saleiros. Um símbolo que exibia o distanciamento do ex em relação ao mensalão. Por desinteresse ou despreocupação pelo julgamento. Lula respondeu a repórteres porque não iria acompanhar o fato: “Tenho mais coisas para fazer do que isso, quem tem de assistir são os advogados”.

Era uma forma do ex demonstrar que não se considera em julgamento, embora companheiros estejam no banco dos réus como subproduto de uma obra de seu governo. O lugar dele é outro, está na cadeira de honra em homenagens. Como chamarisco à reunião, a assessoria insinuou que Lula poderia fazer ali uma manifestação. Porém, o que dissesse seria associado ao mensalão. Isso romperia a ideia de distanciamento.

Toffoli é exemplo da era PT

A importância para o PT da participação da presença de Dias Tof­foli ao longo do julgamento é que ele po­de representar um e­xem­plo de bravura e dis­ciplina ou obediência aos colegas nomeados por Lula ou Dilma Rous­seff numa questão vital para o partido, o mensalão, criado exatamente para enraizar o petismo no poder já no primeiro ano de ocupação do Planalto, em 2003.

Afinal, entre os 11 ministros do Su­premo 8 vieram na era PT. Entre os oito pode se dizer que independentes mesmo são o presidente Ayres Britto e o revisor Jo­aquim Bar­bosa. O primeiro da nova era foi o ex-presidente Cezar Peluso, que eventualmente po­deria ser a terceira ex­ceção da nova era se não fosse grato ao advogado Már­cio Tho­maz Bastos pela sua nomeação ao Su­pre­mo quando minis­­tro da Justiça.

Além disso, Peluso se aposenta dentro de um mês. Pela dose de falta de controle que o seu comportamento con­tem, pode vir a or­dem para torpedear a fórmula que se cogita para o aproveitamento de seu voto no julgamento; a antecipação de sua posição na or­dem dos votantes. En­tre os 11, seria o sétimo. No caso de a antecipação ser posta em votação pelos ministros, Peluso se daria por impedido. Não fa­ria como Toffoli.

Outro recurso an­ti-Peluso é protelação dos trabalhos para es­coar o tempo de modo a im­pedir sua presença nas votações até o dia 3, quando completa 70 a­nos. Se a presidente Dil­ma desejar aprovar no Senado e nomear al­guém a tempo de de­sembarcar no mensalão, o novo ministro não terá direito a voto porque Peluso já terá votado pelo menos uma vez, na questão do desmembramento do processo.

Se for o caso, uma onda de votos a favor dos réus

Vejamos a posição estratégica de Toffoli na ordem de votações em geral do mensalão. O primeiro a votar, relator Joaquim Barbosa, tende a ser duro. O segundo, revisor Ricardo Lewandowski, gosta de votar o oposto de Barbosa. Vem então o voto da última a ser nomeada, Rosa Weber. A pouco mais de um semestre na casa, ainda não assumiu a cultura local, como diz o colega Gilmar Mendes. Pode ser influenciável externamente.

A seguir, o segundo mais novo, Luiz Fux, cujas entrelinhas revelam governismo agradecido. Agora mesmo, Fux, com origem romena, abriu o jogo ao declarar que “o juiz é técnico” e arrematou: “Não se pode deixar levar pelo clamor social.” Na verdade, se outros colegas compartilham com ele uma causa ou voto impopular, todos dividem a responsabilidade entre si.

Depois dele, o indigitado Tof­foli. Em seguida, Cármen Lúcia, aquela que combina votos com Lewandowsky. Em agosto de 2007, eles foram flagrados trocando informações por notebook e a tendência dos votos na sessão em que o Supremo acolheu a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra os mensaleiros. As telas dos dois computadores foram fotografadas por jornalista que circulava pelo plenário.

À essa altura, depois do voto de Cármen Lúcia a tendência numa votação vital estaria com o placar de cinco votos brandos contra um duro. Estaria formada uma quase irresistível onda de votos favoráveis à brandura. Mais um voto simpático e a fatura estaria liquidada a favor do discreto charme do poder.

Bate-boca expôs a tensão entre ministros na sessão

O primeiro dia de trabalho não serviu para demonstrar a onda em atividade, pois a única votação ocorreu em torno de uma questão pacífica: se haveria ou não o desmembramento do processo. Se houvesse, jogaria para as calendas romanas a decisão final sobre 35 mensaleiros sem foro especial. Entre eles, Zé Dirceu. Ninguém seria punido, pois os crimes prescreveriam antes.

Não serviu para revelar a tendência de comportamento dos ministros, pois o desmembramento do mensalão era repisada. Foi apreciada pela quarta vez no Supremo, sempre por causa de manobras de advogados de men­saleiros. Sofreu a quarta rejeição, por um placar acachapante: nove votos contra e os dois a favor apresentados pelos ministros Lewandowsky e Mar­co Aurélio Mello.

A quinta-feira serviu para duas coisas. Primeiro, confirmou a disposição de Toffoli em não se dar por impedido. Agora será interessante acompanhar a posição dele na votação de Dirceu, seu antigo chefe. Permitirá um estudo de caso. Também será curioso o voto no caso do ex-deputado Professor Luizinho, que teve como advogada a companheira de Toffoli, Roberta Rangel. O ministro alega que não há relações estáveis entre o casal.

A segunda coisa foi a confirmação da tensão na casa com o bate-boca entre Barbosa e Le­wandowski quando o segundo se revelou a favor do desmembramento. Sendo relator do processo, Barbosa estranhou que o relator revisor não lhe tenha comunicado antes, ao longo de sete meses de trabalho conjunto ser a favor do desmembramento. “É deslealdade”, reclamou Barbosa ao colega.

Mesmo de longe, o ex Lula estará em cena no julgamento

Apesar de se dizer distante do julgamento, Lula, como era previsível, será mencionado ao longo do processo por causa do envolvimento do Planalto na compra de apoio no Congresso ao seu primeiro governo. O advogado de Roberto Jefferson, Luiz Francisco Corrêa Barbosa comentou que, se o desmembramento retornou à pauta do julgamento, também pode se repetir a proposta pela inclusão de Lula:
— Se o Supremo aceitou discutir um assunto que já tinha sido votado, eu também posso apresentar uma questão de ordem. O ex-presidente Lula tem que se juntar aos ex-ministros dele que estão ali.

São três os ex-ministros de Lu­la que voltam a lidar com o men­­salão, agora como réus. A­lém de Zé Dirceu na chefia da Casa Civil, há o petista Luiz Gushiken na Se­cretaria de Co­municação e An­derson Adauto (PTB) no Mi­nistério dos Trans­portes. No caso do desmembramento, a questão de ordem pe­sou a circunstância de que o principal autor foi o advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-mi­nistro da Justiça que participou de nomeações de Lula para o Supremo e agora defende José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural.

A concessão do tribunal a Bastos é o precedente que abre a porteira para questões de ordem que, pretendem, principalmente, protelar o julgamento. O procurador Roberto Gurgel, argumenta que não invocou a suspeição de Toffoli como juiz do processo precisamente para não criar motivo para o adiamento do fim do processo. A suspeição seria considerada pela casa apenas se alguém a provocasse.

Toffoli fez carreira ao negar a existência do mensalão

O mensalão é uma pedra no caminho jurídico de Dias Toffoli desde que o escândalo se tornou conhecido em junho de 2005 pela denúncia de Roberto Jefferson. Toffoli estava no centro do furacão, assessorava juridicamente Zé Dirceu na Casa Civil de Lula. Um mês depois saiu dali para se dedicar melhor ao caso em seu escritório de advocacia, de onde se aplicou também na assessoria da reeleição do presidente.

Como pesquisaram os repórteres Catia Seabra e Breno Costa, Toffoli e a namorada Roberta Ran­gel assinaram em conjunto mais de dez representações ao Tribunal Superior Eleitoral TSE em defesa da candidatura de Lula contra o PSDB, a quem atribuíram a intenção de hostilizar o petista “com acusações que jamais ficaram comprovadas, tais como o chamado mensalão”. Era setembro de 2006, um mês antes da eleição.

Três meses antes o então procurador-geral da República, An­tonio Fernando de Souza, denunciou os mensaleiros ao Supremo. O PSDB explorou o fato na campanha eleitoral e a dupla Toffoli-Rangel requeria ao TSE o direito de resposta até mesmo ao noticiário da imprensa explorado pelos tucanos na eleição. Num deles, os advogados definiram o governo Lula: “Foi o que mais combateu a corrupção no país.”.

A dupla continuou companheira e o trabalho conjunto até que Toffoli, credenciado pela ação em defesa de Lula e de mensaleiros como José Dirceu, foi nomeado para a chefia da Advocacia-Geral da União em 2007. Era o trampolim ao Supremo, onde Toffoli desembarcou na vaga de Carlos Alberto Direito, aquele que se tornou ministro comprometido com Lula na proteção aos mensaleiros, mas morreu antes.

PT foi frustrado em duas tentativa de influenciar

Durante a semana, o PT se frustrou em duas tentativas de influir no julgamento do mensalão. Primeiro, foi para o arquivo do Tribunal Superior Eleitoral o pedido de advogados do partido pelo adiamento do mensalão. Presidente do tribunal e ministra do Supremo, Cármen Lúcia mandou arquivar o pedido porque o caso bateu em tribunal errado, “além de serem vagos e imprecisos os argumentos apresentados”.

O argumento dos advogados considerava “inoportuna” a coincidência entre o julgamento e a campanha eleitoral, o que permitiria a exploração de fatos ligados ao mensalão numa fase em que os réus ainda eram presumivelmente inocentes. Pedia ainda o controle da propaganda eleitoral para impedir a especulação de casos que ainda estavam sob julgamento no Supremo. Como três ministros trabalham ao mesmo tempo nos dois tribunais, era uma jogada canhestra de repercutir no Supremo o pedido deles.

O segundo revés ocorreu no Tribunal de Contas da União, onde se armou e aprovou a interpretação da ministra Ana Arraes para uma lei de 2010, que segundo ela, tornava regular um contrato de R$ 153 milhões entre o Banco do Brasil e DNA, agência de publicidade que abastecia o mensalão, assinado em 2003. Agora, o ministro Aroldo Cedraz suspendeu no TCU a aplicação daquela interpretação.

Assim, dois mensaleiros continuam a penar integralmente no mensalão: o publicitário Marcos Valério, da DNA; e Henrique Pizzolato, diretor de marketing do banco na época. Pizzolato e outros dois ex-diretores do ban­co, Cláudio de Castro Vas­con­celos e Renato Luiz Be­lineti con­tinuam condenados a devolver R$ 5 milhões aos cofres pú­blicos. Pizzolato e Vasconcelos de­­vem ainda a multa conjunta de R$ 3,7 milhões.

Agora, falam até em ir à OEA

 src= Advogados de mensaleiros pensam em recorrer, em caso de condenação, à Co­mis­são Intera­mericana de Direitos Humanos, ór­gão da Organização dos Estados Ame­ri­ca­nos. A lebre foi le­van­tada pelo ministro Ri­cardo Lewandowski ao discutir o desdobramento do processo. Ele se sensibilizou com a tese do advogado Tho­maz Bastos de que os 35 mensaleiros sem di­reito a foro especial perdem o direito de re­correr a outro tribunal em caso de condenação, pois no país não se apela de decisão do Supremo.

“É algo a se pensar, mas não neste momento”, comentou Thomaz Bastos quando soube do interesse de colegas. Responsável pela defesa de José Genoíno, Luiz Fernando Pa­che­co, disse que “pensa muito” na possibilidade de ir à OEA, mas, por enquanto, “estou confiante num julgamento técnico e justo dos mi­nistros”. Advogado de Marcos Valério, Mar­celo Leonardo é ouro em posição semelhante. “Pen­­samos nisso, mas vamos aguardar os fa­tos”, comentou.
 

 

 

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