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27/10/2024 - 09:07

CFM cria monopólio inconstitucional e ilegal com plataforma digital

Por meio da Resolução CFM 2.382/2024, o Conselho Federal de Medicina (CFM) instituiu a plataforma Atesta CFM, definida como “o sistema oficial e obrigatório para emissão e gerenciamento de atestados médicos, inclusive de saúde ocupacional, em todo o território nacional, sejam em meio digital ou físico” (Art. 1º). 

 

A resolução obriga todos os médicos a aderirem a esta plataforma digital para a emissão de atestados médicos. Uma leitura atenta do texto normativo apresentado permite aferir que se trata de novo abuso de poder regulatório por parte do CFM, na medida em que contraria e viola dispositivos constitucionais e legais do ordenamento jurídico nacional. 

 

O que diz a resolução? 

 

O artigo 2º da resolução dispõe que “os atestados médicos, inclusive de saúde ocupacional, deverão ser emitidos obrigatoriamente por meio da plataforma Atesta CFM ou por sistemas integrados a esta, e preferencialmente de maneira eletrônica”. 

 

A resolução, ao obrigar os médicos a validarem os atestados em uma única plataforma, cria um monopólio de emissão e validação de vários tipos de atestados médicos, considerados em seu sentido amplo. Não há especificação na norma sobre quais são os atestados médicos incluídos em seu escopo. Seja qual for a abrangência dos documentos incluídos, fato é que se cria um monopólio que não encontra respaldo na Constituição Federal e na legislação nacional vigente. 

 

Atualmente, tais documentos são emitidos de diversas formas em todo o país por médicos que atuam no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ou no sistema privado de saúde em geral, e podem ser validados por diferentes meios de emissão e validação jurídica de atestados médicos, como por exemplo: 

  1. atestados médicos que já são emitidos e/ou validados de forma eletrônica, por meio de plataformas diversas, e que já podem, inclusive, ser comunicados à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), vinculada ao SUS; 
  1. atestados médicos impressos, emitidos simplesmente por meio físico, através de assinatura também física e presencial, acompanhada de carimbo; 
  1. atestados assinados e validados por meio de plataformas digitais legalmente autorizadas a operar no país para certificar e validar assinaturas e documentos eletrônicos. 

 

A Resolução CFM 2.382/2024 vem se inserir nesse mercado já dinâmico criando um monopólio cartorial para emissão de atestados médicos, conforme consta do artigo 3º: “os atestados emitidos ou verificados por meio da plataforma Atesta CFM serão considerados válidos em todo o território nacional e produzirão os efeitos legais que deles se espera”. 

 

O mesmo artigo 3º, em seu parágrafo único, dispõe que “os atestados que excecionalmente forem emitidos em papel e com elementos de segurança gerados pela plataforma Atesta CFM gozarão das mesmas garantias dos atestados gerados digitalmente”. 

 

O artigo 10º da resolução deixa evidente que o CFM tem consciência dos riscos embutidos no monopólio criado ao dispor que o site do Conselho Federal de Medicina deve oferecer gratuitamente o recurso de validação de atestados a todos os interessados, por meio de protocolo seguro, sem interrupções e excelente desempenho. 

 

A pergunta que fica é: quem fiscalizará se isso ocorre? Qual a garantia de que o CFM respeitará sua própria norma? O que ocorrerá nos períodos em que o site não funcionar? 

 

Os artigos 12 a 15 da resolução consolidam o monopólio inconstitucional e ilegal criado para a certificação digital de atestados médicos. O artigo 12 afirma que os atestados emitidos por outras plataformas digitais somente serão considerados válidos quando integrados ao ecossistema Atesta CFM, a ser disponibilizado gratuitamente pelo Conselho, conforme regras a serem definidas por Instrução Normativa do CFM. O artigo 13 dispõe que após o período de 180 dias a partir da data de publicação da resolução atestados emitidos pelas plataformas existentes somente serão considerados válidos quando integrados ao referido ecossistema. 

 

Finalmente, o artigo 14 fecha o pacote monopolista, inconstitucional e ilegal ao afirmar que “pessoas jurídicas que tiverem interesse na utilização do serviço avançado de validação de atestado da plataforma Atesta CFM deverão contratá-lo em site específico do CFM, mediante a formalização do termo de adesão e o pagamento do preço público do serviço”. Ou seja, cria um preço público por meio de resolução infralegal de autarquia corporativa, referente a um serviço público essencial inventado pelo CFM em evidente violação às suas competências legais. 

 

Como se não bastasse, o §1º do artigo 14 prevê que o valor do serviço será definido por meio de Instrução Normativa, afrontando a segurança jurídica dos profissionais de saúde e de um mercado já consolidado, e deixando ao livre arbítrio deste órgão de classe o estabelecimento de um preço público por um serviço essencial inventado do nada e para o qual não está legalmente habilitado para prestar. 

 

O artigo 15 da resolução reforça o monopólio ao proibir aos médicos a utilização dos atuais portais ou plataformas que existem, geridos por instituições ou empresas no Brasil. O uso das plataformas existentes somente será permitido aos médicos se estas instituições do mercado nacional de certificação e validação de documentos e assinaturas eletrônicas tiverem firmado com o CFM o termo de adesão previsto na resolução. 

 

Faz-se aqui a seguinte mágica: o CFM cria uma nova obrigação abusiva e a transforma, do nada, em uma obrigação de “ética profissional”. Assim, obriga a adesão de todos os médicos do país à sua plataforma e garante o monopólio. 

 

No entanto, essa nova exigência não tem nada a ver com ética profissional ou com o desempenho da profissão médica, mas sim com interesses de exercício de poder político e econômico desse órgão de classe que não foi criado legalmente para gerenciar plataformas de certificação eletrônica de documentos no Brasil. 

 

Outro ponto que merece atenção na norma é o fato de que a administração da plataforma Atesta CFM caberá a uma Comissão Permanente de Acompanhamento (CPA), composta tão somente por conselheiros e funcionários do CFM. Estão excluídos representantes de usuários, do Ministério da Saúde ou de outros grupos de interesse sobre a referida plataforma que reunirá dados pessoais sensíveis de milhões de brasileiros. 

Em síntese, são esses os termos da resolução. As inconstitucionalidades e ilegalidades são inúmeras, e serão listadas nos itens subsequentes. 

 

Violações constitucionais 

A Resolução CFM 2.382/2024 viola um conjunto expressivo de direitos constitucionais que serão sintetizados abaixo: 

 

 

 

 

 

 

 

Ilegalidades 

 

Além dos vícios constitucionais citados, a Resolução CFM 2.382/2024 também possui vícios de legalidade por violar dispositivos das seguintes leis federais vigentes, que não serão aprofundados por falta de espaço: 

 

 

 

 

 

 

 

Com a palavra, os órgãos de controle 

 

As inconstitucionalidades e ilegalidades são diversas e graves. Espera-se que os órgãos de controle competentes e os interessados em geral adotem as medidas administrativas e judiciais cabíveis junto aos órgãos administrativos e judiciais competentes para a anulação da Resolução CFM 2.382/2024, visto que a entrada em vigor desta norma ensejará danos significativos ao sistema de saúde brasileiro e à segurança jurídica nacional, fragilizando pacientes, médicos, empresas que atuam no setor e o próprio Ministério da Saúde. 

 
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