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Artigos | Renan Jorge

Brasil: o país das torcidas

28/04/2022 - 08:01 | Atualizado em 28/04/2022 - 09:23

Eu cresci ouvindo do meu pai que o Brasil era o país do futebol. Lembro-me que reuníamos a família para assistir aos jogos da seleção - especialmente nas copas do mundo -, das quais não tenho boas recordações (não vi a seleção vencer). No entanto, meu padrinho - que descanse em paz -, tinha paixão por algo diferente do esporte, ele era fascinado por política.

O evento mais vibrante para ele era o período eleitoral. O recebíamos em casa inúmeras vezes durante as eleições, com diversos panfletos, cartazes e santinhos do PT. Como eu sempre estava acompanhado dos meus pais lembro-me das incontáveis discussões entre eles - amigáveis, é claro - e da tentativa de convencê-los a votar em Lula.

Meu pai sempre foi muito pessimista em relação à política - e acho que herdei boa parte de sua disposição. Ele dizia ao meu padrinho: "ora, meu voto não faz diferença. No primeiro turno os candidatos fazem campanha uns contra os outros, no segundo turno revelam apoio, fazem as pazes. São todos iguais"!

Meu padrinho não partilhava da mesma visão e pontuava a importância de votar no PT. O discurso não envelheceu: "eles se importam com os pobres, Lula é o pai dos pobres. Ele vai mudar o Brasil, vai torná-lo melhor". A insistência foi tamanha que meus pais - se por muito enfado ou por convencimento, eu não sei - acabaram votando em Lula.

Anos depois, com as diversas denúncias por corrupção e pelos eventos vergonhosos envolvendo o partido, meus pais ficaram desgostos em relação à política e juraram nunca mais votar em alguém. A imagem ainda é vívida em minha memória: todos na sala assistindo à prisão de um deputado com dólar na cueca, isso foi, para eles, a gota d'água. Na época, fiquei a pensar: todos acordarão! As pessoas irão às ruas! Elas não aceitarão políticos corruptos. O leitor perdoe a minha ingenuidade, mas eu era apenas uma criança, fazia parte da minha natureza pensar assim.

Acho que não é preciso dizer que vi o PT ganhar as demais eleições e percebi como a disposição dos meus pais fazia mais sentido do que um monte de pessoas numa manifestação para louvar a impunidade. Eu não conseguia entender, por mais que eu tentasse, mas eu reconhecia toda aquela euforia, aquela paixão, aqueles gritos: era um ato de entrega, de servidão, de idolatria. Só havia outro evento no qual eu identificava as mesmas reações: nos jogos de futebol.

Bandeiras, cartazes, gritos, cânticos, toda a sorte de oferendas ao time de amor. Na vitória ou na derrota, no sol ou na chuva, na alegria ou na tristeza, eram verdadeiras manifestações viciantes, como se fizessem mesmo parte do espírito daquelas pessoas. Tempos depois eu entenderia a expressão "não se discutem: política, futebol e religião".

Há um problema nessa expressão, é claro. O time de futebol ou a religião de alguém só interferem em sua vida privada; a política, no entanto, interfere na vida de todos. Por isso eu jamais concedi perdão às massas fanáticas, porque a paixão nessa esfera é irracional. Aprenderia depois, com Carl Sangan, "que as crenças de um crente não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar”.

Percebi que havia algo de muito errado na política brasileira - no tom mais cômico do meu espírito Shakespeariano. Apeguei-me ao conservadorismo e nunca mais consegui disfarçar o tom de tristeza ao conhecer os autores da tradição britânica, as raízes de seu iluminismo, a sociologia da virtude, todas as características que faziam-me ranger os dentes de inveja - talvez este seja o meu "ódio do bem". Foi a senhorita Gertrude Himmelfarb, em seu brilhante ensaio "Os Caminhos Para Modernidade. Iluminismos Britânico, Francês e Americano", que ajudou-me a entender o que moldou a nossa estrutura política. Uma disrupção influenciada pelo iluminismo Francês, que foi amplamente criticado por Burke e outros nomes contundentes do conservadorismo, não poderia realmente funcionar. Como explica a senhorita Himmelfarb:

“Benevolência ", "compaixão", "simpatia ", "solidariedade", "afeição natural pelos outros " - sob um rótulo ou outro, esse senso moral (ou sentimento, como preferia Smith) seria a base da ética social que conformou o discurso moral e filosófico britânico durante todo o século XVIII".

O Brasil, ao optar pelo perfil revolucionário, desprezou os valores e virtudes vigentes em seu seio social, rompeu com o elo entre os mortos, os vivos e os que ainda não haviam nascido, tudo pelo ideal fantasioso empregado pelos utópicos - na melhor expressão da filosofia Burkeana, pela "excitação da novidade e da promessa".

David Hume, que foi considerado um dos mais influentes filósofos do conservadorismo, chegou a dizer que existia uma "tendência ao bem público e para a promoção da paz, da harmonia e da ordem em sociedade sempre, por afetar os princípios benevolentes de nossa estrutura, que nos move ao lado das virtudes sociais."

Como isso poderia se aplicar ao Brasil atual? à nossa política? Possuímos um presidente que chama de "comediante" o líder de uma nação que está sob ataque; que é negligente em plena pandemia e ridiculariza as vítimas ao dizer que não é "coveiro". Permitimos o retorno de um político condenado por diversos tribunais. Desenvolvemos duas verdadeiras torcidas políticas, rompendo com o ideal harmônico, as estruturas "benevolentes" de nossa sociedade simplesmente estão corrompidas pelo poder, em todas as dimensões possíveis. Sobrariam apenas as virtudes sociais, mas elas foram sacrificadas no altar da ignorância em nome da paixão política. Não importa se foi o STF que libertou os políticos corruptos, se foi o presidente que foi indecoroso ou cometeu algum ilícito, isto é, não importa a nossa ausência de culpa, não houve nenhuma indignação massiva! Eis a questão: a sociedade está adaptada.

As manifestações pró-impeachment foram a última esperança, em relação à moral brasileira, para colocar-nos nos eixos, mas os acontecimentos posteriores mostraram que a real intenção não era destituir um líder incompetente, era colocar um deus político no lugar.

Hoje eu compreendo que o Brasil não é o país do futebol, é o país das torcidas, pois as massas foram modeladas a torcer pelos políticos como torcem pelos seus times. A eleição é a copa do mundo! O destino do país não importa, só o número de vitórias do partido. A diferença crucial entre ambos? Dependendo da circunstância, tu não precisa pagar nada para assistir ao futebol. Em política, infelizmente, o ingresso é obrigatório.

Todos fazem parte do jogo: alguns jogam, outros assistem e torcem, mas existem aqueles que torcem apenas pelo fim da partida - eu provavelmente encaixo-me no último grupo. Os cantos e juras de amor deveriam ser trocadas por sonoras vaias, mas parece que alguns torcedores não amadureceram tanto assim. Se nenhuma via que supere os extremos aparecer, a maior tortura em relação ao eleitor será levar tudo para prorrogação. Que tudo se resolva nos 90 minutos, clamam os espíritos sensatos...

Twitter: @ORenanjorge 

Renan Jorge

Renan Jorge

Graduando em pedagogia. Considero-me um conservador, baseado na tradição britânica.
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