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17/10/2020 - 07:29 | Atualizada: 19/10/2020 - 18:54

MPF recorre de decisão de Ricardo Lewandowski que beneficiou 16 traficantes

O Ministério Público Federal (MPF) interpôs agravo interno na Reclamação 41.387, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, que estendeu a 16 investigados por tráfico de drogas a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar. A subprocuradora-geral da República Claudia Sampaio expõe diversos argumentos pelos quais espera a reforma da decisão, entre eles, a falta de similitude de situações dos réus.

Os beneficiados pela decisão do STF foram denunciados no âmbito da Operação Lavoisier, que apura atuação de organização criminosa de grande porte, integrada por mais de duas dezenas de agentes, dedicada ao tráfico de drogas no estado de São Paulo, especialmente drogas sintéticas. Foram oferecidas cinco denúncias pelo Ministério Público do Estado de São Paulo à 1ª Vara da Comarca de Casa Branca (SP) contra os diversos envolvidos, atribuindo-lhes os crimes de tráfico de drogas e de associação para o tráfico de drogas.

No curso das investigações, foram deferidas medidas judiciais de busca e apreensão e de pressão temporária de alguns dos envolvidos, várias delas posteriormente convertidas em prisão preventiva.

No STF, a reclamação foi instaurada a pedido de Murilo Domingos Castoldi Carrara, que alegou ser impedido pelo juiz da comarca de ter acesso aos autos do processo no qual é acusado de cometer os crimes de coação no curso do processo, tráfico de drogas e associação para o tráfico. Argumentou violação à Súmula 14 do STF, requerendo a declaração de nulidade de todos os atos praticados com a inobservância da súmula, bem como da prisão temporária e da busca e apreensão.

O ministro Ricardo Lewandowski indeferiu liminarmente a reclamação, sob o fundamento de que não havia afronta à súmula. A defesa opôs embargos de declaração reiterando os pedidos, especialmente a nulidade da investigação, sob o argumento de que o relator não apreciou essa questão. Apesar de reafirmar os fundamentos de sua decisão liminar, o ministro concedeu habeas corpus de ofício a Carrara. A justificativa foi que o juiz não havia examinado o cabimento das medidas cautelares diversas da prisão.

Após essa decisão, sucederam-se inúmeros pedidos de extensão, que foram todos rejeitados. Mas, após pedido de reconsideração de todos eles, o relator estendeu a decisão dada em favor de Carrara.

Para a subprocuradora-geral da República, a decisão foi equivocada, já que nos pedidos de reconsideração não houve o acréscimo de fato novo que pudesse justificar a extensão já indeferida por decisão fundamentada, nem a comprovação da similitude de situações, exigida pelo Código de Processo Penal.

Claudia Sampaio destaca que os pedidos que substituem a prisão preventiva por prisão domiciliar beneficiam réu foragido, réu com diversos registros criminais relativos à Lei Maria da Penha, beneficiário de transação penal pela contravenção, disparo de arma de fogo em via pública, condenado por sentença transitada em julgado pelo crime de ameaça e a réu que ameaçou testemunha. Ela pontuou quatro argumentos para a reforma da decisão.

Instrumento jurídico 
Segundo a subprocuradora-geral da República, a jurisprudência do STF é pacífica e reiterada no sentido de que a reclamação se presta a preservar a competência do Supremo Tribunal Federal e a autoridade dos seus julgados, não podendo ser utilizada em substituição a recursos. O habeas corpus é instrumento para a proteção da liberdade de locomoção e a sua impetração diretamente no STF impõe a observância das regras constitucionais de competência, não sendo admitida a supressão de instâncias. 

“É certo que essa Suprema Corte já afirmou a possibilidade da concessão de habeas corpus em sede de reclamação, mas assim o fez em situações excepcionalíssimas, quando comprovada a existência de manifesto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção da pessoa. A concessão de habeas corpus em reclamação pressupõe a comprovação de que o paciente está sendo restringido em sua liberdade de ir e vir por ato ilegal e abusivo de autoridade, caracterizador de manifesta coação ilegal e de autêntica teratologia”, afirma. Para Cláudia Sampaio, esse caso não se enquadra nessa situação.

O relator, na decisão da reclamação, admite que a ordem de prisão preventiva está bem fundamentada e que os crimes são de intensa gravidade. “As informações prestadas pela autoridade reclamada trouxeram elementos que mostram a legalidade da decisão que decretou a custódia cautelar dos requerentes e a inexistência de constrangimento ilegal apto a justificar a concessão de habeas corpus diretamente por essa Suprema Corte, em sede de reclamação, sem que a questão tenha sido previamente examinada pelo Tribunal de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça”, argumenta a subprocuradora-geral da República.

Supressão de instância
Cláudia Sampaio também aponta que houve supressão de instâncias judiciais: o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça, que não proferiram decisão relativa aos beneficiados pela extensão.

Similitude
O terceiro fundamento para a reforma da decisão refere-se à inexistência de similitude entre as situações dos beneficiários e a do reclamante. A organização criminosa era composta por diversos agentes que exerciam atividades diferenciadas no contexto de ação do grupo, com núcleos com atuação independente. “Além disso, as diversas decisões que deferiram as extensões beneficiaram réus de processos diversos”, destaca. Segundo a subprocuradora-geral da República, a instauração de ações penais diversas decorreu da existência de condutas diferentes, o que indiscutivelmente constitui fato impeditivo da extensão indiscriminada a todos de uma decisão proferida especificamente a um dos réus.

Preservação da ordem
Claudia Sampaio destaca como último ponto a ser observado a impossibilidade de concessão de prisão domiciliar a traficante integrante de organização criminosa que se dedica à prática de tráfico em alta escala. O STF tem entendimento de que a prisão cautelar é fundamental para a preservação da ordem pública e para o impedimento da reiteração delitiva, em casos de organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas. 

“No presente caso, o risco de reiteração delitiva, a necessidade de garantir a instrução criminal e a ameaça à ordem pública foram especificamente demonstrados na decisão que decretou as preventivas, não havendo vício que justifique a revogação das custódias em sede de reclamação e mediante supressão de instâncias”, conclui.
 
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