Imprimir

Imprimir Notícia

09/09/2020 - 17:10 | Atualizada: 09/09/2020 - 19:08

As igrejas querem usar reforma tributária para ficarem imunes a mais tributos

A bancada evangélica vem fazendo lobby pesado para que as igrejas não paguem nenhum tipo de impostos. O mesmo lobby não se ve em beneficio da população, que cada vez mais está empobrecida.

Em busca de perdão para dívidas passadas com a Receita Federal, as igrejas querem ampliar sua imunidade constitucional para afastar o recolhimento de tributos no futuro. Uma emenda apresentada pela bancada evangélica no âmbito da reforma tributária quer tornar os templos religiosos imunes ao pagamento de qualquer tipo de tributo, inclusive as contribuições. Hoje, essas instituições só são livres de impostos.

A emenda, apresentada no ano passado pelo líder da bancada evangélica, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), pretende estender a imunidade a todos os tributos incidentes sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeiras (como remessas ao exterior) das igrejas. A justificativa é garantir que não haja qualquer restrição à liberdade religiosa.

“A União, em resposta às várias crises fiscais que ocorreram ao longo das últimas décadas, promoveu sucessivos aumentos de contribuições e outros tributos que estão fora do alcance da imunidade tributária para as entidades religiosas, o que acabou por reduzir a efetividade da proteção à liberdade de culto, tal qual concebida pelo constituinte originário”, diz a justificativa da emenda.

Segundo apurou o Estadão/ Broadcast, o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já teve reuniões com a bancada e com o governo sobre o tema, mas ainda não há definição política se a emenda será ou não incorporada ao texto. A proposta está neste momento sendo discutida em uma comissão mista, formada por deputados e senadores.

A reportagem tentou contato com o líder da bancada evangélica e com o relator da reforma, mas não obteve resposta. A Receita Federal não quis comentar.

O advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, diz acreditar que a reforma acabará sendo “neutra” para as igrejas, ou seja, nem elevar nem diminuir a carga tributária. Além disso, ele alerta que, mesmo que o Congresso decida ampliar a imunidade dos templos religiosos, isso não será salvo conduto para eventuais desvios.

“Se determinada igreja teve lucro muito grande, distribuiu e não recolheu o tributo, para este mal já existe remédio. Nenhuma lei protege contra desvio de finalidade. Pode prever o que for. Não há lei contra o desvio de finalidade”, afirma Bichara.

Segundo o advogado, as igrejas não podem se valer da imunidade para deixar de recolher tributos ao distribuir participações em lucros ou remuneração variável de acordo com o número de fiéis ou o valor do dízimo arrecadado. Por isso, mesmo que a emenda seja incluída, a avaliação dele é que os auditores fiscais continuarão com espaço para fiscalizar e autuar em eventuais irregularidades.

Imunidade

Segundo Bichara, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que, de acordo com as regras atuais, a imunidade tributária concedida às igrejas vale apenas para impostos. Considerando esse entendimento, a aprovação do perdão a outros tipos de tributos seria inconstitucional.

Sob a lei atual, as igrejas são alvos de autuações milionárias justamente por driblarem a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações a seus principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimento de tributos. O débito dos templos inscrito na Dívida Ativa da União chega a R$ 1,5 bilhão, sem contar os valores ainda em fase administrativa de cobrança na Receita Federal.

Na área econômica, há uma preocupação com a pressão crescente da bancada evangélica por medidas que beneficiem as igrejas. O perdão das dívidas de quase R$ 1 bilhão, revelado pelo Estadão/ Broadcast, é só mais um capítulo dessa briga, que tem no próprio presidente Jair Bolsonaro uma das fontes de pressão. A bancada evangélica, com 195 deputados e oito senadores, é um dos principais pilares de sustentação política do presidente.

Bolsonaro, que já ordenou à equipe econômica em outras ocasiões “resolver o assunto” da dívida das igrejas, tem nas mãos a decisão sobre sancionar ou não o perdão das dívidas. Ele precisa decidir até a próxima sexta-feira, dia 11.

A emenda do perdão foi proposta pelo deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus. A instituição tem R$ 37,8 milhões inscritos na Dívida Ativa da União, além de outros débitos milionários ainda em fase de cobrança administrativa pela Receita.

Veja quais são os ‘agrados’ que o governo já deu às igrejas

Em julho, o Congresso incluiu as igrejas entre as instituições que podem contratar empréstimos subsidiados pelo governo para quitar a folha de pagamento de funcionários durante a pandemia. O presidente Jair Bolsonaro sancionou a ampliação do programa que previa inicialmente apenas empresas e cooperativas.

Com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e registros de cartórios, o Estadão mostrou, em abril, que 663 salas comerciais, apartamentos, terrenos, galpões e residências em condomínios de luxo da União estão ocupados por organizações religiosas. Pelas regras, os ocupantes pagam apenas uma taxa anual que incide sobre o valor registrado do terreno e pode ser de 0,6% ou 2%.

Em janeiro, o Estadão revelou que, a pedido de Bolsonaro, o Ministério de Minas e Energia elaborou decreto que concedia subsídios na conta de luz para templos religiosos. Depois de pressão da equipe econômica, o governo recuou da medida.

No primeiro ano do seu mandato, Bolsonaro dispensou templos religiosos menores de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e elevou o teto de arrecadação (de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões) que obriga igrejas a informar o governo federal sobre todas as movimentações financeiras diárias.

 
 Imprimir