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Os crimes insignificantes lotam cadeias e superlotam tribunais

29/09/2020 - 17:43 | Atualizada em 29/09/2020 - 17:46

Redação

Um homem condenado a 4 anos e 7 meses de reclusão por ter ameaçado e roubado R$ 8 da vítima. Uma mulher condenada a 6 anos e 9 meses de prisão por ter sido flagrada vendendo um grama de maconha. Um homem condenado a 1 ano e 2 meses de reclusão por ter furtado três frascos de desodorante de um supermercado. Crimes insignificantes que lotam cadeias e superlotam os tribunais.

Todas essas situações são reais e chamam atenção pela desproporção entre o delito cometido e a pena aplicada – diferentemente do que acontece para os criminosos que habitam o chamado “andar de cima”. O Ministério Público Federal (MPF) e os tribunais superiores têm considerado a aplicação do princípio da insignificância a casos como esses para evitar que ações consideradas insignificantes abarrotem o Judiciário.

Também chamado de bagatela, o princípio da insignificância – quando a Justiça deixa de tratar o delito como um crime, em razão da sua baixa relevância material e social, entre outros requisitos – foi analisado pelo MPF em 802 processos em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), somente em 2020. Foram 1.501 manifestações sobre o tema enviadas às cortes superiores do início de janeiro até essa segunda-feira (28).

A maioria dos casos refere-se a crimes de furtos simples (228) e qualificados (202). Em seguida, aparecem delitos como contrabando ou descaminho (70), tráfico de drogas e condutas afins (51), crimes do sistema nacional de armas (27), roubo – simples e majorado (27), crimes contra a ordem tributária (9), contra as telecomunicações (9), receptação (9) e crime de moeda falsa e assimilados (9), entre outros tipos penais menos frequentes.

Muitas vezes, condenações iniciais são revertidas e o infrator é absolvido depois de anos de tramitação do processo na Justiça. Foi o que ocorreu em pedidos de habeas corpus analisados pela subprocuradora-geral da República Mônica Nicida, por exemplo.

Em um deles, depois de ser condenado em primeira instância a 1 ano e 2 meses de reclusão pelo furto de três frascos de desodorante em um supermercado em Belo Horizonte (MG), em 2014, o réu foi absolvido pelo STJ em abril deste ano. A decisão seguiu parecer do MPF, que defendeu a aplicação do princípio da insignificância, dado o valor inexpressivo dos bens subtraídos, cerca de R$ 24 (HC 559067-MG).

O argumento do MPF também foi acolhido pela Corte Superior em um caso de furto de três camisetas, avaliadas em R$ 12 cada, de uma loja em Alto Paraná (PR), em julho de 2015. Inicialmente, o réu foi condenado a 1 ano e 4 meses de reclusão. Passados cinco anos, foi absolvido pelo STJ (REsp 876701-PR).

A subprocuradora-geral explica que, como esses, há inúmeros outros casos em que a intervenção do direito penal não se justifica. “Afastar o processo penal e a pena de determinadas condutas que não se revelam lesivas o suficiente, que não apresentam uma periculosidade maior, faz com que todo o sistema de Justiça possa se ocupar mais adequadamente de crimes mais graves, como corrupção, estupros, homicídios e outros”, justifica Nicida.

Condições – Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), para haver o reconhecimento da insignificância é preciso cumprir quatro requisitos: miÌnima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidiÌssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão juriÌdica provocada.

A partir desses vetores, o subprocurador-geral da República Domingos Dresch considerou crimes de bagatela os furtos de um botijão de gás (HC 601834-SC); de 5,8kg de carne (HC 590.696-SP); de um frasco de perfume usado e um creme (RHC132.272-SP); e de esquadrias e fios avaliados em R$ 100 (HC 546020-SP).

No mesmo sentido, a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen defendeu no STJ a absolvição de uma ré condenada pelo furto de dois kits de desodorantes e dois de shampoo e condicionador (HC 597476-SP). A representante do MPF também alegou o princípio da insignificância para concordar com a revogação da prisão preventiva de uma mulher presa em Rondônia por furtar um ventilador, uma camiseta, dois lençoÌis e duas barras de sabão da casa da vítima. O parecer foi acolhido pelo STJ, que determinou a soltura da acusada até o julgamento do caso (HC 581246-RO).

Luiza Frischeisen esclarece que a maioria dos processos relacionados ao princípio da insignificância que chegam ao STJ tratam de pequenos furtos em supermercados, lojas e farmácias, delitos praticados sem violência e nos quais, após o flagrante, os bens subtraídos são restituídos ao estabelecimento.

“É preciso avaliar se vale a pena mover o sistema criminal em situações como essas. Muitas vezes o prejuízo não é consumado, mas existe uma cobrança de resposta da Justiça, até mesmo para evitar que o infrator sofra algum tipo de violência dos próprios comerciantes ou populares. Acontece que nem sempre a ação penal é a melhor resposta. Nesse ponto, vejo os acordos de não persecução como uma boa alternativa”, analisa a subprocuradora-geral.

As circunstâncias do crime e a desproporção entre o valor roubado por um réu e o custo do processo na Justiça foram argumentos apontados pelo subprocurador-geral da República Marcelo Muscogliatti para concordar com a redução da pena imposta ao infrator pelas instâncias inferiores.

No caso, o recorrente foi condenado a 4 anos e 7 meses de reclusão em regime semiaberto porque, em abril de 2012, usou uma faca para ameaçar e roubar R$ 8 da vítima, no interior do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Outras Drogas da cidade de Santa Izabel do Pará (PA). O réu estava em tratamento de saúde mental há cerca de três meses e, conforme relatado nos autos, parecia estar transtornado no momento do crime.

No parecer enviado ao STJ, Muscogliati alega que a pena mínima prevista no artigo 157 do Código Penal (roubo) se mostra excessiva no caso concreto e não faz justiça ao réu e aos operadores do direito – acusação, defesa e magistratura. “Ora, o caso trata da subtração de R$ 8, um pouco mais que um por cento do salário mínimo da época dos fatos. O valor do bem subtraído é muito aquém do custo do próprio processo.

Em 2012, no estado do Pará, o custo total do processo foi estimado em R$1.428,402”, pontuou o subprocurador-geral ao manifestar-se pelo provimento do recurso especial que pedia a redução da pena pena-base aplicada ao recorrente aquém do mínimo legal (REsp 1885113-PA).

 

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