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Itamaraty distribui material didático com críticas ideológicas e ataques a movimentos sociais

15/07/2020 - 16:06 | Atualizada em 15/07/2020 - 17:02

Redação

O Itamaraty, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), está distribuindo material didático com críticas ideológicas e ataques a movimentos sociais para as embaixadas brasileiras pelo mundo, por meio de Centros Culturais responsáveis por ensinar a língua portuguesa e a cultura do Brasil a estrangeiros. Segundo site do Ministério das Relações Exteriores, as instituições estão localizadas em 24 países.

O livro chamado de Só Verbos é um dos materiais de apoio disponibilizado aos professores dessas unidades espalhadas por quatro continentes do mundo. Com três volumes disponíveis, o conteúdo aborda temáticas criticando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o aborto, o ex-presidente Lula e até a pessoas que usam cabelos não alisados.

“Se o MST se apropriar das nossas terras, nunca mais conseguiremos reavê-las”, está escrito em uma das questões do livro, que serve como base de aprendizagem a estudantes não brasileiros. Outra questão diz respeito ao aborto. “Se as mulheres não abortassem, não haveria tantas clínicas de aborto clandestinas”.

Apesar do conteúdo estar disponível no site do Departamento Educativo do Itamaraty, órgão vinculado ao site oficial do Ministério das Relações Exteriores, professores de Centros Culturais relatam que estão sendo orientados a utilizar o material unificado em suas aulas mesmo não estando de acordo.

Segundo uma professora de um dos centros, que prefere não se identificar com medo de retaliações, é a primeira vez que o conteúdo de ensino vem com “clara linha ideológica”, como ela mesma diz, o que desrespeita até princípios da instituição. Ela recebeu a orientação de utilizar o material nesta terça-feira (14).

Isso porque os Centros Culturais Brasil são um dos três pilares das embaixadas brasileiras, junto com o setor comercial e consular, e funcionam como extensão das embaixadas aos quais estão vinculados. O foco é ensinar a língua portuguesa e difundir a a cultura brasileira.

Segundo a professora, o material é produzido por equipes contratadas pelo Itamaraty. No entanto, o Yahoo Notícias entrou em contato com a responsável por elaborar o livro, a professora Airamaia Chapina Alves, que é coordenadora de uma escola particular de português para estrangeiros e outras línguas, em São Paulo, e ela negou ter sido contratada pelo governo Bolsonaro.

“O Itamaraty não pediu nada, não me pagou nada, o livro não tem ABSOLUTAMENTE nenhuma ideologia, não defende nenhuma ideia, é só para treinar os verbos e expandir o vocabulário dos meus alunos”, respondeu ela por um aplicativo de mensagens.

O número de celular e nome completo da professora estão disponíveis no rodapé do livro e no site do MRE (Ministério das Relações Exteriores).

A coordenadora da escola não indicou, no entanto, se o governo federal pediu autorização para disponibilizar o material no site do MRE. Ela também disse não lembrar da data em que o livro didático foi desenvolvido e oferecido para estudos.

Chapina apenas defendeu que não há críticas a “absolutamente nada, nem ao MST, nem ao aborto e nem ao cabelo crespo, liso, ruivo, castanho ou loiro”. Disse ainda que é somente “uma professora que da aulas de português e mais nada”.

No entanto, na página 20 do segundo volume do livro é possível ver uma questão que diz: “Se ela alisasse o cabelo, ela ficaria mais bonita”. O exercício se trata de uma conjugação do verbo “ficar”, portanto não há a opção de reformular a frase.

“Eu tinha uma lista de verbos que queria ensinar aos meus alunos e fiz uma sentença para que eles usassem os verbos”, afirma ela. “Espero que os professores que criticaram não estejam usando o material”, completa.

A reportagem pediu um posicionamento do Ministério das Relações Exteriores sobre o conteúdo enviado às embaixadas e a respeito dos relatos de professores que se sentem orientados para usar o material. Porém, não obteve resposta até a publicação.

 

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