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Legislativo se adapta à crise: o Sistema de Deliberação Remota

22/04/2020 - 09:14 | Atualizada em 22/04/2020 - 09:18

Inteligov

A pandemia do COVID-19 trouxe inúmeros impactos para as sociedades globais. Do isolamento social às crises econômica e sanitária, o novo coronavírus mudou a maneira como o mundo funciona. Desde o início da epidemia, os modelos de trabalho, sob o sistema de home office, têm sido debatidos em toda a esfera social. As alterações no desempenho dos ofícios, no entanto, se estendem para além da atuação do cidadão comum, alcançando também, pela primeira vez na história, o parlamento brasileiro.

Com o objetivo de mitigar a presença dos parlamentares em plenário e nas comissões, como forma de evitar aglomerações, com vistas a combater o contágio com o coronavírus – sem, com isso, comprometer a continuidade do funcionamento do Congresso Nacional –, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a Mesa do Congresso Nacional editaram normas para validar e viabilizar a atuação remota dos parlamentares durante a fase de quarentena com a implementação do Sistema de Deliberação Remota (SDR).

Conforme definido no Ato da Comissão Diretora Nº 7/2020, o  Sistema de Deliberação Remota (SDR) pode ser compreendido como uma “solução tecnológica que viabilize a discussão e votação de matérias, a ser usado exclusivamente em situações de guerra, convulsão social, calamidade pública, pandemia, emergência epidemiológica, colapso do sistema de transportes ou situações de força maior que impeçam ou inviabilizem a reunião presencial dos Senadores no edifício do Congresso Nacional ou em outro local físico”.

Quanto ao aspecto de confiabilidade e segurança do SDR, iniciada a votação, os Senadores devem acessar o sistema com seu código de identificação de três dígitos e senha pessoal, recebendo na sequência, um código alfanumérico de uso único para a participação da votação específica. 

No momento em que for registrado o voto, o dispositivo realiza a captura da imagem do parlamentar pela câmera frontal do aplicativo, sendo a imagem enviada ao SDR para conferência em eventual auditoria. Após a votação, o Senador recebe, para conferência, em dispositivo previamente cadastrado, mensagem confirmando o voto que proferiu à matéria.

Por sua vez, a Câmara dos Deputados, por meio da Resolução Nº 14/2020, que instituiu o SDR, utiliza o sistema de teleconferência para viabilizar o debate entre os parlamentares, com o aproveitamento do aplicativo Infoleg, desenvolvido na própria Casa. Neste aplicativo para dispositivos móveis é registrada a presença nas sessões plenárias e assinalados os votos dos Deputados, podendo estes registrar os votos sim, não ou abstenção. Para dar legitimidade às deliberações, o Infoleg registra tanto o quórum mínimo para a abertura da sessão, quanto o quórum para votação, em consonância com que estabelece o artigo 47 do texto constitucional.

Em relação à implementação do sistema remoto, Miguel Gerônimo Nobrega Netto, chefe da Assessoria Técnica, Diretor-substituto da Diretoria Legislativa e professor de Processo Legislativo da FGV e do Cefor, afirma que “por um lado, não resta dúvida que, pelo menos em tese, não haveria outro meio de manter o Poder Legislativo em atividade, nesse momento de isolamento social, senão com a utilização da tecnologia da informação, por meio de instrumentos como o sistema de videoconferências e o de deliberação remota”. Para ele, à primeira vista, as implicações sobre a utilização do SDR são muito positivas, pois as demandas e necessidades da sociedade, nesse momento de emergência da saúde pública, dependem do pleno funcionamento do Poder Legislativo – uma vez que se faz necessário legislar sobre matérias urgentes em favor especialmente dos segmentos mais carentes da sociedade, o que envolve temas referentes a problemas de saúde pública, de economia e das finanças nacionais.

Por outro lado, Netto expressa certa preocupação com a forma como algumas deliberações têm sido viabilizadas, atentando à celeridade da solução dos problemas ocasionados pela pandemia do coronavírus. “É de considerar e refletir que, em condições normais, as propostas de emenda à Constituição percorrem um longo caminho, tanto na Câmara, quanto no Senado, o que dá a oportunidade para que a matéria seja muito bem discutida, inclusive por segmentos organizados da sociedade, incluindo quem exerce a atividade de relação institucional e governamental”, explica.

Ainda sobre a velocidade de atuação nas Casas legislativas, vale destacar que o Congresso aprovou um novo rito para simplificar a tramitação das MPs durante a pandemia, reduzindo de 120 para 16 dias o prazo de validade das matérias – sendo nove dias para a Câmara dos Deputados, cinco dias para o Senado Federal e mais dois dias, se for o caso, para que a Câmara analise as eventuais alterações da Casa revisora –, com a dispensa da apreciação por comissões mistas. 

Vale ressaltar, contudo, que as MPs que não observarem o novo prazo de tramitação durante a vigência da Emergência em Saúde Pública e do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19 não perdem a validade. “Nesse contexto, espera-se que o Congresso Nacional corresponda decisivamente e com devida celeridade aos anseios da sociedade, aprovando, modificando ou mesmo rejeitando MPs, conforme sejam benéficas ou não para o atual momento sanitário e econômico que o país enfrenta”, afirma Netto.

A rapidez que as Casas Legislativas têm dado aos processos e a quantidade de normas e medidas adotadas durante este período traz uma nova questão: a definição de prioridade de projetos para a tomada de decisão do Executivo. De acordo com Netto, tem sido viabilizada uma pauta propositiva para matérias que realmente mereçam celeridade para a aprovação, sem a qual segmentos realmente carentes sucumbam por falta de apoio sanitário, financeiro e econômico. “Se faz necessário que haja uma harmonia de agendas entre os Poderes Executivo e Legislativo, e que o chefe de Governo se alinhe aos interesses do País, ao adotar medidas de proteção ao contágio do vírus. De toda forma, o Congresso Nacional tem cumprido o seu papel de não paralisar a atividade legislativa, ao viabilizar, mesmo a distância, a discussão e a deliberação dos temas imprescindíveis para a superação do atual momento”.

Os setores público e privado no enfrentamento da crise

Questionado sobre como os setores público e privado podem trabalhar em parceria para agilizar o trabalho do Poder Público na mitigação dos impactos da crise, Netto afirma que é providencial o estabelecimento de um pacto nacional para diminuir em médio prazo as perdas de diversos segmentos da sociedade.

Para ele, as entidades representativas patronais e de empregados, com a intermediação do Governo, do Congresso Nacional, Poder Judiciário e Ministério Público, precisam encontrar meios para pelo menos amenizar os profundos efeitos de ordem social e econômica verificadas com o aumento do desemprego e queda da produção, o que, necessariamente, refletirá no aprofundamento das desigualdades sociais, aumentando o contingente de brasileiros abaixo da linha de pobreza e o achatamento da classe média.

“Esse entendimento não pode tardar, a despeito da verificação de um colapso em nível financeiro e econômico, com sérias consequências no âmbito político, com enfraquecimento das instituições públicas e privadas”, explica. “Assim, um amplo Fórum de debates, organizado pelas autoridades públicas e privadas, precisa ser estabelecido, para que as lideranças, cada um com suas experiências e contribuições, consigam viabilizar, em tempo adequado, a recuperação do país e o retorno à normalidade econômica e social”, completa.

O legislativo no pós-crise

No momento de pandemia experimentado pelo Brasil, o SDR surge como um importante instrumento para dar continuidade às votações, debates e ao funcionamento do parlamento como um todo.

De acordo com Netto, no processo democrático é essencial o seguimento ininterrupta dos trabalhos legislativos seja qual for a situação de anormalidade. “No modelo político-jurídico adotado pelo Brasil, a lei é o instrumento mais forte para o exercício da cidadania. Sendo assim, não se pode conceber a paralisação do Congresso Nacional ou de qualquer outra Casa legislativa subnacional”.

A alternativa oferecida pelo sistema remoto para o funcionamento das Casas, no entanto, não deve se tornar uma realidade após o fim da pandemia. Evidentemente, na opinião de Netto, o atual cenário marcou o processo de deliberação das matérias por meio do  Sistema de Deliberação Remota (SDR) – que deve ser aprimorado para que determinadas discussões e debates possam sim ser realizados a distância, trazendo celeridade e economia processual –, mas jamais deve substituir a reunião física/presencial de parlamentares.

“Existe uma simbologia muito importante no âmbito dos trabalhos do Poder Legislativo: o olho no olho. Trata-se da proximidade física entre representante e representado. O processo decisório requer encontros e articulações presenciais, os quais muitas vezes somente é possível com o contato frente a frente”, declara Netto.

 

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