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Cármen Lúcia, vítima de uma cortesia

Você sabe a força do tudo pelo social, certo?   

27/07/2018 - 08:57 | Atualizada em 27/07/2018 - 09:01

Percival Puggina*

É comum que, ao se afastar provisoriamente do cargo, o governante deixe algumas atribuições rotineiras para serem executadas pelo substituto. Trata-se de uma gentileza, para que o fulano ou fulana sinta-se útil e não passe seu tempo “in office”  olhando para o teto e tomando cafezinho. Penso que assim deva ser compreendida a absurda assinatura da ministra presidente do STF, Cármen Lúcia, substituindo Temer, no decreto que obriga empresas a serviço da administração pública a admitirem presos e ex-presidiários para execução dos serviços contratados.          

Ao burocrata que preparou a pilha de atos a serem assinados por ela deve ter parecido adequado que um decreto tratando de trabalho para presos fosse oficializado com o autógrafo de uma autoridade oriunda do Poder Judiciário. Pode ser mera suposição, mas suspeito que a ministra tenha sido vítima de uma cortesia. Você sabe a força do tudo pelo social, certo?          

No entanto, que decreto mais equivocado e típico da conduta do Estado brasileiro em relação à sociedade! É claro que presos devem trabalhar. É óbvio que esse trabalho deveria ser facultado nos estabelecimentos penais e não ser facultativo, para que o preso contribua com seu custeio e o encarceramento não constitua um agravo adicional à sociedade que já foi vítima do crime que ele praticou. Mas não, nossos estabelecimentos penais não dispõem de oficinas. As parcerias público-privadas (PPPs) que poderiam viabilizar a multiplicação dos estabelecimentos penais, acabar com o ócio criminoso dos presídios e com o empilhamento de encarcerados, sofrem severa resistência dos defensores de direitos humanos. É como se um presídio moderno, transformado em local de trabalho e estudo, fosse tornar pior o que hoje estamos proporcionando aos presos brasileiros.            

Então, a burocracia – Eureca! – recorre à solução clássica: empurra o problema para a iniciativa privada. O poder público não faz presídios, não proporciona locais de trabalho, não firma PPPs. Que a empresa abrace, pois, a tarefa, de modo coercitivo, e assuma riscos adicionais que não existiriam se a atividade laboral fosse prestada dentro da prisão. Vejam o disparate: os presos trabalham se quiserem, mas as empresas contratadas pelo setor público são obrigadas a lhes disponibilizar vagas que faltam aos mais honestos chefes de família! Não acredito que dona Cármen Lúcia fosse conceber uma besteira dessas.            

Enfim, esse é apenas mais um sintoma do mal comum: o Brasil se tornou um país onde a sociedade – até para isso! – serve ao establishment, ou à parceria político-burocrática, sem possibilidade de reversão, ou mesmo de algum vice-versa.

*Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

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